O revolucionário de shopping center e o mendigo da praça

Postado em 1 de dez. de 2011 / Por Marcus Vinicius

Os jovens do mundo estão possessos. Ocuparam praças e exigem: que caia o sistema! E um dos companheiros já estava acampado ao lado daquele chafariz há três semanas. Deu sorte, já que não ficou perto do exaustor da pizzaria. Todo mundo que montou a barraca ali acabou ficando com cheiro de fetuccini.

Ele estava indignado. Muito.

Sabe como é, a fome na África, os magnatas cada vez mais ricos, os impostos sobrecarregando o preço do iPad, o fato de terem colocado maçã como acompanhamento do Mc Lanche Feliz, a fome na África, a fome...bem, muita coisa pra ficar indignado e ainda por cima tinha a Daniela, aquela riponga do terceiro período da faculdade que prometeu que ia dar uma indignada com ele na barraca caso ele a ajudasse no Occupy a Praça.

A única coisa ruim era essa tenda apertada. Pediu dinheiro pro pai para comprar uma com ar-condicionado e frigobar mas quando o burguês progenitor soube o motivo, o mandou ir ocupar a putaquepariu.

Se ainda fosse um resort em Maresias ou Búzios, mas acampar? Numa praça?

Pegou emprestado a cabaninha da Turma da Mônica da irmã mesmo.

Chegou cedo, montou tudo ao lado do tal chafariz (o pessoal da "acampada" brincava dizendo que ali era a Ipanema da praça, a Vieira Souto dos indignados). E repetiram tanto a brincadeira que a turma do Chafariz resolveu parar de andar com a do exaustor, sabe como é, não iam se misturar com aquela ralé fedendo a queijo ralado.

A turma do exaustor por sua vez até pensou em fazer uma ocupação dentro da ocupação e invadir o chafariz, mas deixaram pra lá, afinal Vieira Souto é coisa de burguês.

Nesse dia ele já estava meio de saco cheio da barraca da Turma da Mônica e pensou seriamente em protestar contra aquela situação, recorreria a uma ameaça: enquanto não ganhasse uma barraca nova em formato de iglu não sairia mais do acampamento todo dia para ir em casa tomar banho e comer sucrilhos no café da manhã e nem passaria mais fio dental.

Ia se banhar no chafariz junto com o populacho e tomaria a revolucionária decisão de negligenciar sua higiene bucal. Mas a revolta tinha que ficar para o dia seguinte, já que a riponga deu um toque nele que essa noite ia passar lá na barraca para eles descabelarem o Che Guevara.


Participou o dia inteiro de reuniões importantíssimas onde votaram uma moção de repudio ao Kadafi (que devido à falta de consenso só pode ser aprovada depois que o povo líbio já tinha liquidado o ex-coronel com um balaço) e deixaram bem encaminhada (depois de 11 horas de importantes deliberações) uma declaração de apoio à Trotski contra os stalinistas.

Saiu dali cansado de tanto trabalho, mas ainda conseguiu correr para comprar um vinho e uns pedaços de queijo de Minas (preferia camembert, mas a riponga poderia achar isso coisa de almofadinha).

Estava tudo preparado quando alguém o chamou do lado de fora da barraca. Era um companheiro de acampamento, trazendo pela mão um morador de rua.

- Beleza, companheiro, tudo bem? Será que você pode acolher o companheiro mendigo aqui na sua barraca?

- Pô, cara, essa barraca é minha e já está apertada...

- Mas companheiro, é justamente contra isso que nos indignamos! O sistema é apertado!

E por aí foram, um defendendo seu direito à propriedade da tenda da Turma da Mônica e o outro querendo fazer a reforma social naquele metro e meio quadrado de pano.

Depois uns 20 minutos de deliberação sem a "construção de um consenso",  o cara resolveu se abrir:

- Sabe o que é? Ele ia dormir na minha barraca, mas é que a Daniela, sabe quem é? Uma hippiezinha? Então, ela vai dar uma passada lá hoje e o mendigo vai atrapalhar...

- Pera aí, mas a Daniela disse que ia na minha barraca hoje!

- Nessa pobreza de Turma da Mônica aí?

- Pelo menos é no Chafariz...

- Melhor uma barraca espaçosa perto do exaustor da pizzaria do que um cubículo nessa Vieira Souto de araque, seu burguês!

E começaram a sair na porrada ali mesmo. Enquanto isso, o mendigo foi embora procurar um abrigo da prefeitura.

Lá é menos animado, mas pelo menos ele ganha uma sopa.

3 Comentários:

Doda postou 1 de dezembro de 2011 às 09:14

É bem por aí...

Luiz Fernando postou 1 de dezembro de 2011 às 10:45

Hahaha muito bom. Ficção extremamente realista.

Pra ficar mais completo só faltou os dois brigões verem a riponga saindo da cabana de outro companheiro revolucionário do sucrilhos.

Anônimo postou 2 de dezembro de 2011 às 11:57

Enquanto isso nos bastidores da ocupação....hahahahahaah... Quanta imaginacão...

(Ricthêza)

 
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