Faça o que quiser, mas faça longe de mim

Postado em 29 de nov. de 2012 / Por Marcus Vinicius 5 Comentários

Não sei você, mas desde pequeno eu aprendi que existe lugar e hora certa para tudo. Tudo bem que isso não quer dizer que eu sempre segui esse ensinamento, mas pelo menos não posso alegar desconhecimento da regra por todas as vezes nas quais a quebrei.

Tenho aliás a leve suspeita de que não estou sozinho nessa. Pode ser fruto da minha imaginação, mas sempre que saio na rua vejo um monte de gente se comportando como se não conhecesse a regra da "hora e lugar certo" ou pelo menos cagando solenemente para ela.

Só que a minha idéia de fazer o que bem entender na hora errada ou no lugar errado se resume a pequenas transgressões meio idiotas como comer sobremesa antes do prato principal ou sair da aula de spinning na academia para fumar na calçada.

Mas tem gente que prefere dar uma caprichada. 

No cinema, por exemplo. O cinema é uma arena da incivilidade humana, um raio-x do verdadeiro eu de cada um potencializado pelo quase anonimato daquele ambiente escuro. Daí que se levar um saco de dois quilos de pipoca e um tonel de guaraná para a sala de exibição não é nada demais, se passar uma mensagem de texto enquanto ainda estão exibindo os traillers (apesar do aviso de desligar celulares ter rolado há uns dez minutos) não mata ninguém e ainda que dar uns beijinhos na namorada seja perfeitamente normal, o aprofundamento desses comportamentos é sim, um exagero do fora de hora e de lugar.

Uma vez sentou um sujeito do meu lado com um uma BATATA INGLESA. Isso mesmo, uma batata assada recheada de requeijão e bacon. Tirando a bomba de colesterol, o cardápio do cidadão me fez passar meia hora do filme com medo de uma batata quente cair literalmente no meu colo.

Quase perguntei: a turma da feijoada com chorinho não veio?



Casos iguais em exagero são o casal que transforma a fileira M, assentos 4 e 5 em quarto de motel ou a mulher que resolve atender o celular no meio do Festival de Cinema Búlgaro para conversar sobre o último capítulo da novela, como se falar aos sussurros não incomodasse do mesmo jeito que subir na poltrona e encenar um número do É o Tchan. 

Trepar na praia é outra coisa que pode ser legal. Numa praia deserta no Caribe, em Tuvalu, mas fazer isso em Ipanema, no meio do verão e justo na hora em que milhares de patetas se reúnem para bater palmas para o por-do-sol, aumenta sua chance de terminar algemado e com certeza não vai ser porque seu parceiro curte um sexo mais "hard".

Existem exceções, claro. Duas coisas que não têm hora em nem lugar certo (a menos que você esteja sozinho trancado num quarto com a luz apagada) é palitar os dentes e tirar meleca. Só que apesar de tantos livros de etiqueta e conselhos de avó dizendo isso, tem gente que parece ter compulsão por enfiar um palito na obturação rachada, tirar aquele fiapo de guacamole que sobrou do nacho e ficar analisando para ver se é abacate mesmo.

E nada, nada nesse mundo vai me convencer de que é normal parar num sinal, olhar para o lado e ver um sujeito com metade do antebraço calmamente enfiado no nariz.

Não é possível que exista hora e local adequados para fazer isso (ainda que seja um chamado da natureza, o que, convenhamos, não deveria ser). Mandou mal nessa, natureza.

Pior talvez só os sem noção de festa. Esse tipo de pessoa tem algum defeito genético que a torna incapaz de diferenciar situações e reuniões sociais. Quase todo mundo já foi a algum batizado na vida, em uma despedida de solteiro, numa festa de formatura, num baile de debutantes, num casamento, aniversário.

Cada uma dessas ocasiões tem um código de conduta mais ou menos estabelecido que até admite exceções, mas nada muito radical. Daí que se você terminar uma festa de casamento descalço ou então tomar um pileque numa formatura e subir no palco para fazer karaokê do Reginaldo Rossi, tudo vai estar mais ou menos dentro do aceitável.

O sem noção de festa não quer pequenas transgressões, ele gosta de encher o saco mesmo. É um cara capaz de achar que é boa idéia acender um baseado num batizado às 10:00 da manhã ou encher a cara e tirar sua avó para dançar kuduro no lanche de domingo.

Alguém assim pararia até uma choppada de faculdade para pedir um minuto de silêncio em nome das baleias minke.

Aí alguém pode chegar e dizer: eles poderiam estar roubando, matando, se candidatando a deputado.

E eu responderia: tudo bem, até poderiam, mas seria bem melhor se estivessem fazendo isso tudo aí bem longe de mim.

No inferno ou então na pqp, por exemplo.

Carrinho de supermercado fake tem pernas curtas

Postado em 27 de nov. de 2012 / Por Marcus Vinicius 1 Comentário

Seu carrinho de compras diz muito sobre você. 

Assim como o livro que você está lendo no momento (supondo-se que você leia, já que não ler nada também diz muito sobre você), o que carrega para o caixa do supermercado pode dar uma boa idéia do tipo de pessoa que você é.


Daí que certas vezes é perfeitamente normal que você sinta que está sendo julgado enquanto alguém encara aquele monte de caixas de BIS, garrafas de Mineirinho e pacotes de Skiny que você está comprando. Praticamente dá pra ver no olhar da velhinha comprando ingredientes pra fazer uma canja:


- Que isso, hein, meu filho, nem uma maçã ou uma rúcula pra contar história!


Dizem que o segredo é não fazer compras com fome. Tudo bem, mas e se nem depois de um rodízio de pizzas eu consiga achar um suco de soja com gosto de vômito de camelo apetitoso? Tenho que comprar mesmo assim?


Vivemos sob intensa pressão social para demonstrar hábitos saudáveis. Se você não gosta de brócolis, tem que gostar de abóbora. Se não gosta de nenhum dos dois, pelo menos uma pêra de vez em quando tem que comer. Essa pressão é que gera aquelas situações onde você chega numa lanchonete, pede um cheese-quadruplo-cheddar-bacon, batata-frita e onion rings e pra rebater um suco de laranja.


É sua cota de alimentação saudável no meio daquele oceano de gordura saturada.


Só que essas situações podem se complicar um pouco mais, principalmente quando envolvem o assunto que permeia a cabeça dos homens durante 99% do tempo: sexo. Futebol e automóveis ocupam o resto, mas deixa isso pra lá.


Sabe quando você sai com uma garota lá pela terceira ou quarta vez e por isso já tem um pouco de intimidade? Então, é mais ou menos aí que você resolve se soltar um pouco e resolve pedir um filé duplo a Oswaldo Aranha com ovos de gema mole. Só que ela continua pedindo uma salada de alface e um copo d'água, tal qual no primeiro, no segundo e no terceiro encontros.


Nesse momento você se sente como um viking convidado para o chá das cinco no Palácio de Buckingham.


Pois saiba que isso pode acontecer também no supermercado e com resultados imprevisíveis e até mesmo surpreendedores.


Digamos que você tenha comprado o box de DVDs da saga Guerra nas Estrelas e tenha ido ao mercado se abastecer de gordices para passar a madrugada assistindo aquilo. Entra no supermercado imaginando que ali é o cenário da caçada do homem moderno. No lugar da lança e do tacape, um cartão de crédito como arma (e o melhor, a caça já vem embalada).


Vai jogando M&Ms, hot-pockets, amendoins, Doritos, uma barra de 2 quilos de chocolate, Coca-Cola de 600 ml, um Guaraná de 2 litros, um pote de doce de leite e dois Danettes de chocolate branco. Aí, de repente em um dos corredores do mercado você se depara com a maior gata.



Pense aí no seu tipo preferido de mulher. Morena, loira, olhos verdes ou azuis, coxas grossas, peito pequenininho, peituda, japonesa, marombada, magrinha, imagine uma gata com o seu número e a veja bem ali na sua frente. Você com aquele carrinho cheio de porcarias, ela com uma daquelas cestinhas cheia de kani, kiwis, suco de uva, alfaces, tomates, um pacote de pão integral com grãos, peito de peru e uma ricota.

Ela te dá uma olhada, você percebe que está com um fio de baba escorrendo e disfarça, ela sorri, você acha que ela percebeu a baba e lembrou do tio de 96 anos, ela sorri de novo, você começa a ficar nervoso e finalmente, ela diz algo que parece com um "oi", mas você ainda acha que pode ser um "cuidado, eu tenho gás de pimenta na minha bolsa".


Resumindo: ela te deu mole.


Imediatamente você nota que seu carrinho pode denunciar que ali está um nerd babaca que assiste Stars Wars e come porcarias a noite toda e ainda que isso seja verdade, ela não precisa descobrir tão cedo. Vai tirando uns biscoitos, coloca umas bananas no lugar, joga fora o chocolate, substituí por um ramo de folhas verdes que você não sabe se é espinafre ou bertalha, devolve o refrigerante e coloca um suco de clorofila com aroma de lima da pérsia no lugar e assim vai tentando limpar seu filme.


Já com o carrinho mais digno de apresentação, chega perto dela e puxa conversa:


- Oi, quer dizer, você me disse oi ali atrás, né?


- Disse sim, oi de novo.


- Ah, que bom, pensei que você fosse me ameaçar com gás de pimenta.


- Por que diabos eu faria isso?


- Deixa pra lá, é brincadeira só...e aí? Mora aqui perto?


- Mudei tem uns meses.


- Eu sempre venho aqui nesse mercado, tudo aqui é fresco e tal...


Vão conversando até que ela, olhando pro seu carrinho, já na fila para pagar, diz:


- Você gosta mesmo desse suco de clorofila?


- Adoro, sou super natural, tá vendo? Verduras, legumes, nada de comer bobagens.


- Nem uma cerveja?


- Muito raramente, sabe como é, não pode abusar.


- Ai, eu adoro, de preferência todo dia. Ainda mais acompanhada de uma pizza.


- Sério? Nem parece, tô vendo na sua cesta, você também é natureba, né?


- Isso aqui? Não, isso é pra minha prima que mora comigo, ela é que curte essa comida sem gosto, não usa desodorante e nem nada industrializado. Eu odeio essas coisas de hippie.


- Mesmo? Caramba, quem diria...ia te chamar pra gente ir num rodízio de saladas e tudo...


- Cruz credo, te achei bonitinho, mas a gente jamais daria certo. Essas coisas que você come têm gosto de meia velha, eu preciso de uma besteira de vez em quando pra ser feliz.


Nesse ponto você pode continuar bancando o Capitão Salada ou contar a verdade e se passar por um psicopata mentiroso que persegue mulheres em supermercados analisando as suas compras. Melhor então desencanar e tentar não perder totalmente a viagem:


- É...mas quem sabe você me ap
resenta pra sua prima, né?

Tolerância é a palavra de ordem

Postado em 22 de nov. de 2012 / Por Marcus Vinicius 8 Comentários

O tolerante detesta intolerância.

Ele não tolera esse tipo de coisa. O tolerante curte essa coisa misturada de opiniões, credos, raças, ideologias, religiões, culturas, desde que, é claro, não ofenda o seu conceito de mistura.

Marcha da Maconha, pelo direito de todo mundo acender seu braço de judas em paz numa praça de alimentação de shopping, o tolerante adora. Cigarro mentolado não. Cigarro mentolado não pode nem passar do estacionamento.

Tabagismo é coisa de gente feia e má. Gente que cedeu aos apelos da indústria, gente que não quer entender os malefícios do fumo, enfim, essa corja que não dá pra tolerar de jeito nenhum.

Outra coisa absurda é crucifixo em repartição pública. O estado é laico e isso ofende quem não tem religião (ou quem odeia religião, tanto faz) e o tolerante não tolera isso. Nada de imagens religiosas em locais públicos, a menos, é claro, que sejam santos católicos se beijando em cartazes da "parada gay".

Parada gay com imagens de santos se beijando a prefeitura pode até patrocinar, afinal, isso não é religião. Tudo bem que nem todo mundo é gay, tudo bem que além de laico o Estado também é assexuado (ou deveria ser), mas seria muita intolerância alguém ser contra o contribuinte bancar a festa.

Quer dizer, você pode até ser contra, mas desde que fique dentro do armário e não conte isso pra ninguém. É até bom porque já vai treinando, afinal, qualquer dia ser contra isso vai dar cadeia.

É que em nome da tolerância mandamos prender quem disser que é contra o conceito de tolerância.. Assim todo mundo cala a boca e pronto, resolvido o problema.


E se você acha isso meio estranho, o que diria então de feministas que reclamam que mulher não é só peito e bunda mas vão protestar na rua contra isso mostrando peitos e bundas? Incoerência? Não, meu amigo, tolerância. Tolere.

Senão corre o risco de ser chamado de machista, estuprador em potencial e quem sabe até de eleitor do pagodeiro Netinho.

Um tolerante não se importa tanto com o conteúdo quanto se importa com a forma. Negros são afro-descendentes, gays são homoafetivos (até que inventem um nome novo), gente que escreve errado não é gente que escreve errado, mas vítima de preconceito linguístico e por aí vai.

A tolerância não conhece limites na arte de impor limites ao que os outros pensam.

Quer irritar um tolerante sem nem precisar fazer muito esforço? Basta começar alguma frase usando expressões como "minha empregada", "os serviçais do hotel" ou então "o populacho".

Não interessa o que venha depois, você pode até completar isso tudo com "é bonita", "são legais demais" e "é que sabe ser feliz", porque ainda assim o tolerante vai ter um ataque na sua frente, estrebuchar no chão e provavelmente até te chamar de filho de profissional do sexo.

Afinal, sabe como é, "puta" o tolerante não diz. Nem quando sente vontade.

O show sou eu (not)

Postado em 13 de nov. de 2012 / Por Marcus Vinicius 2 Comentários

Ir a um show é um evento na vida de qualquer um. Ninguém sai de casa para ver um artista do qual não goste nem um pouco (a menos, é claro, que esteja indo arrastado por alguém que goste muito, o que também não deixa de ser um evento, só que por razões diversas).

Mas ainda que o motivo da sua ida seja a sua tia, fã de bolero, que te obrigou a acompanhá-la numa sessão de "Os Grandes Clássicos da Fossa", já que está ali mesmo você pelo menos quer ver o que se passa no palco (nem que seja pra rir).


Agora pense num artista que você gosta muito. A ponto de ter colecionado revistas quando era adolescente, discos de vinil quando estava no segundo grau e possuir toda a discografia no seu iPod. Anos e anos esperando que ele viesse fazer um show na sua cidade e finalmente esse dia chega.


Você já acorda ansioso, doido para chegar a hora de ir para o show. Sai de casa, enfrenta engarrafamento, chega no local e tem que driblar flanelinhas, vendedores de cerveja e cambistas, entra numa fila, toma um baculejo dos seguranças, fica em pé esperando o atraso habitual e, no final das contas, só quer uma coisa: ver o artista em ação.


Só que nesse momento algo falha. 


O som está bem equalizado, o lugar nem está muito quente, o vocalista da banda está de bom humor (já deu até o famoso "boua noitche" e usou uma camisa da Seleção), mas algo te impede de curtir aquele show numa boa.


E este algo tem nome, aliás, tem vários nomes, mas uma só definição: é o mala da platéia.


O mala da platéia gosta de BERRAR as músicas junto com o artista, só pra mostrar como conhece todas as letras e é mais fã do que todo mundo, e como você deu o azar de ficar logo na frente (ao lado ou atrás dá praticamente no mesmo), é obrigado a ouvir aquele karaokê urrado nos seus ouvidos, ao invés do som da banda.


Sim, por incrível que pareça o mala da platéia sempre nasce com cordas vocais abençoadas e nunca, nunca fica rouco ou com dor de garganta.


Se fosse só isso já seria ruim, mas tem mais.


Geralmente o mala da platéia tem uma cara metade: a mala da platéia.




Ela estará acompanhada de vários amigos ou de um namorado brutamontes que estarão sempre prontos a colocá-la sobre os ombros para ficar ali agitando os braços e torcendo para aparecer em algum momento no DVD do show. E caso não ocorra uma súbita chuva de latas de cerveja e garrafas d'água de fazer inveja ao Carlinhos Brown, ela ficará ali até um pouco depois do bis.


Mas o que emperra tudo é que não adianta muito você trocar de lugar. Malas de platéia são como gremlins, se multiplicam numa progressão impossível de prever e prevenir.


Você sai de perto do sujeito que berra e cai atrás da pentelha no ombro do namorado. Sai de perto dela e se vê no meio de uma rodinha de amigos que achou uma boa idéia fazer uma guerra de cerveja durante a execução de "Rock and Roll All Nite", foge da turma da cerveja e acaba parando perto de uma louca que dança batendo cabelo e agitando os braços como se estivesse num enxame de abelhas.


Tudo bem que todos esses malas citados (e outros tantos esquecidos) têm todo o direito de estar ali. Pagaram ingresso, são cidadãos amparados pela Constituição, essa lenga-lenga toda, mas fica realmente difícil abstrair.


Você pensa positivo (afinal, é um de seus artistas favoritos ali), tenta se concentrar no show, nas músicas, no telão, no baterista, na dançarina e quando finalmente está quase conseguindo...leva uma braçada, ou toma um empurrão da turma que resolveu fazer pista de porrada num show do Tony Bennet. Pode ser também que sinta algo quente no pé e descubre que alguém achou boa idéia mijar no meio da pista.


E esse é justamente o pior em relação aos malas de show: eles terminam roubando a cena.


Chega um momento em que eles incomodam tanto que você não consegue mais prestar atenção em nada além deles ali, enchendo seu saco.


Nessa hora você tem duas certezas: foi bom ser revistado pelo segurança no início, porque se te deixassem entrar, sei lá, com um garfo ali, provavelmente ele já estaria espetado na orelha de alguém.


A segunda certeza é que alguém ali foi roubado e você deveria pagar couvert artístico para o mala, já que ele acabou roubando o show, ou então ele é que deveria devolver o dinheiro que você pagou no ingresso.

Acompanhadores de Seriados Anônimos

Postado em 8 de nov. de 2012 / Por Marcus Vinicius Nenhum comentário

Sem que muita gente se dê conta disso, uma revolução não tão silenciosa acontece nos costumes das pessoas. Se há um tempo atrás todo mundo só acompanhava novelas, hoje alguns seriados de TV (que um dia já foram apelidados de "enlatados") vão lentamente tomando o espaço.

Para essa nova geração globalizada e conectada (só tem uma palavra que detesto mais do que conectada: antenada) baixar um episódio e depois assistir no computador é o equivalente a sentar na frente da TV todo dia depois do jantar.

Claro que multidões ainda acompanham as novelas das 8 (ou 9, sei lá, a última vez que acompanhei uma novela a grande questão era "quem matou Odete Roitman?"), mas temo que no futuro veremos velhinhos obcecados por Walking Dead, Game of Thrones ou discutindo os velhos episódios de Sons of Anarchy no bingo do final de semana.

Creio que pelo fato de alguns seriados terem uma variedade de temas muito maior do que "núcleo de gente rica - núcleo de gente pobre - mocinha - galã - vilã (ou vilão)", que é a base de qualquer novela que se preze, terminam agradando mais a uma geração que se acostumou a ter 600 canais de TV disponíveis e não 6 como era até um tempo atrás.

O problema é que alguns desses modernos "enlatados" parecem que foram psicografados pelo autor de "Redenção" (pra quem não sabe essa foi uma novela com míseros 594 capítulos e que durou "só" dois anos).

Nem falo de "Lost", aquele seriado que enrolou tanto que transformou seus fãs quase em dependentes químicos, vagando por aí repetindo "só mais um episódio, só mais um episódio", mas de outros com igual disposição para nunca concluir nada, nem uma mísera história paralela.

Tudo bem que você não tenha esclarecimentos necessários para entender o que se passa no final de um capítulo. Tudo bem até que você continue sem saber se aquela loira que anda com uns dragões pousados no ombro que nem o papagaio do Capitão Gancho vai virar rainha ou churrasco, mas que tal alguma informação conclusiva ao final de três temporadas inteiras? Nah, pra quê?

Pegam o conceito do "gancho", que nada mais é do que deixar algo suspenso para fazer o espectador ter interesse em acompanhar o próximo episódio, e transformam uma sessão de tortura mental só comparável a ficar trancado num quarto ouvindo discos do Molejo durante 48 horas.


Aí você se vê acompanhando uma história que vai se desenrolando assim:

Episódio 1 - A mocinha está perdida numa estrada no deserto fugindo de zumbis, encontra um médico bonitão, um policial aposentado malvado e uma criança perdida.

Episódio 2 - Eles andam por uma estrada deserta fugindo de zumbis, o médico se afasta do grupo para procurar um carro para irem mais rápido, o policial acha uma caverna para eles se esconderem enquanto isso, a menininha vê algo.

Episódio 3 - Eles entram na caverna, a menininha berra, o policial saca sua arma, a mocinha seca o suor sedutoramente, o espectador fica pensando "quem será que vai pegar essa gostosa, o velho ou o bonitão?".

Episódio 4 - O médico acha um carro, a menininha tinha visto um gato (não se sabe ainda se o gato é zumbi ou normal), o policial dorme encostado numa pedra, a mocinha pergunta pelo médico.

Episódio 5 - Um grupo de homens vestidos de Bozo passa correndo, a menininha brinca com o gato, o médico aparece com o carro, um grupo de zumbis aparece.

Episódio 6 - Eles descobrem que os zumbis perseguiam os Bozos mas resolvem fugir do mesmo jeito, acham uma dançarina espanhola que estava trancada na mala do carro, a menininha brinca com o gato.

Episódio 7 - A dançarina conta que era casada com um imitador do Elvis que virou zumbi, um dos Bozos volta e diz que o restante do grupo foi dizimado, eles dão falta do policial aposentado que dormia, um cachorro zumbi aparece e resolve perseguir o gato.

Episódio 8 - O Bozo remanescente, a espanhola, a menininha, a mocinha e o médico correm desesperados numa estrada no deserto, um zumbi vestido de Elvis os persegue junto com 10 Bozos zumbis e um cachorro zumbi.

Episódio 9 - Eles se deparam com uma fazenda aparentemente abandonada mas depois descobrem que não estava abandonada. São recebidos a bala pelo Chris Rock e por um sósia do Stallone, o policial aposentado estava lá e ninguém sabe como ele chegou ali já que estava dormindo numa caverna. Todos discutem, mas são interrompidos por um Evis e um Bozo zumbi.

Episódio 10 - O grupo passa o tempo em volta de uma fogueira conversando sobre a insustentável leveza do ser. O Elvis zumbi argumenta que a humanidade está muito cheia de cabeças-ocas e que o mundo precisa de mais cérebros.

Fim de temporada.

Cenas da próxima temporada - Os personagens correm numa estrada no deserto perseguidos por zumbis no que parece ser uma gigantesca roda de hamster apocalíptica.

Enquanto isso os fãs da série andam de um lado para o outro, pálidos, pensam seriamente em fazer uma greve de fome e com olhos injetados e uma baba no canto da boca perguntam:

- Afinal, o que aconteceu com a porra do gato?

Desculpa, é que eu estava com fome

Postado em 6 de nov. de 2012 / Por Marcus Vinicius 3 Comentários

Tem gente que não gosta de barulho, que detesta lugar cheio, que fica de mau humor se sentir calor. Tem quem não goste de quem cutuca, de engarrafamento ou de filme francês.

Cada um tem suas preferências e muitas vezes a gente nem as escolhe, elas simplesmente vêm de fábrica. E dentre as muitas pessoas que sofrem por ter sentimentos incompreendidos estão as que não gostam de cachorro, as que não gostam de chocolate e as que preferem gatos, nessa ordem.

Só que alguns comportamentos mereciam salvo-conduto perante a condenação geral, as reações exacerbadas e a reprovação colérica. Como disse aí em cima, certas coisas são originais de fábrica, já vêm com a gente desde o nascimento e, portanto, são mais fortes do que nós.

Nosso humor quando estamos com fome, por exemplo, é um desses.

Veja bem, não estou falando daquela fome que vemos pela TV na Somália ou na Etiópia, aquela fome que tira tanto a dignidade que, como dizia Nelson Rodrigues, o sujeito pode levar até um tapa na cara que não vai reagir. Essa fome é "casta e mansa, não ama e nem odeia".

Falo daquela fome pré-Burger King ou pós-praia-indo-pra-churrascaria. Aquela fome que não ama, mas que certamente odeia.

Esse tipo de fome é capaz de transformar uma pessoa com o temperamento de uma carmelita de pés descalços num daqueles personagens vingadores do Clint Eastwood.


Por isso não é muito difícil acompanharmos de perto cronologias parecidas com essa:

10:30 - "Depois de um delicioso café-da-manhã, vamos passear para conhecer Paris".

11:00 - "Como Paris é linda, pessoas bonitas, jardins floridos, um metrô eficiente, bistrôs lotados, a Torre Eiffel".

12:00 - "Já visitamos dois museus, fomos a uma galeria, tiramos fotos de flores e estátuas, nos divertimos vendo as crianças correndo nas margens do Sena, tudo perfeito".

12:40 - "Disseram que vendiam baguetes por todos os lados, mas até agora não vi nenhuma".

13:35 - "Fomos ao Louvre, gostei da pirâmide de vidro, achei a tal da Monalisa OK, infelizmente a cafeteria estava fechada para reforma".

14:10 - "Tomamos o metrô rumo a Saint-Lazare e depois um trem para ir nos Jardins de Monet, o metrô é eficiente mas parece que ninguém que anda ali toma banho, desejei ser uma vaca para pastar aqueles jardins".

15:40 - "Agora vamos em outro museu não sei de quê e nem pra quê, mas vamos visitar mais essa merda, acho que esse povo aqui perde tanto tempo construindo museus que esquecem das porras dos restaurantes".

16:00 - "OK, agora chega, quero voltar pro Brasil, lá pelo menos tem a Feira dos Paraíbas e eu posso comer buchada de bode até explodir".

16:15 - "Já mandei minha companhia de viagem tomar no cu, a guia turística para a merda e estou deitado no meio da pista da Avenida Champs Elysees em protesto. A polícia chegou, já ligaram pedindo para a minha mãe tentar me convencer a sair daqui, mas só levanto dessa bosta se me derem pelo menos um croissant".

17:00 - "Finalmente me deram croissants, tarteletes, coq au vin e até aquela nojeira de escargot (que eu comi com gosto), não sei porque, mas voltei a achar Paris tão linda, com pessoas bonitas, jardins floridos, um metrô eficiente, bistrôs lotados, a Torre Eiffel".

17:10 - "Acho que já pedi desculpas para todas as 378 pessoas que ofendi, mas também, quem manda elas não terem um pedaço de pão com manteiga quando mais se precisa dele?".
 
Template Contra a Correnteza ® - Design por Vitor Leite Camilo