Os problemas de comunicação inerentes às refeições

Postado em 30 de out. de 2012 / Por Marcus Vinicius 4 Comentários


Todos os conflitos que o homem cria poderiam ser resolvidos caso não houvessem tantos problemas de comunicação.  Tudo bem, talvez nem todos, mas a grande maioria deles.

Quando quis castigar os homens no Gênesis, O Criador resolveu fazer com que todos falassem línguas diferentes, assim os homens jamais poderiam se entender novamente. Tudo bem que depois ele aliviou o castigo e permitiu a proliferação dos CCAAs, Brasas e Culturas Inglesas, mas pro ser humano não se achar espertinho demais outra vez, ele também criou o mau entendedor.

O mau entendedor pode falar o mesmo idioma do seu interlocutor e ainda assim a comunicação será tão truncada quanto se um falasse farsi e o outro gaélico irlandês. 

Nos casos menos graves a pessoa não consegue pescar uma ironia, um sarcasmo, uma piada sutil ou mesmo uma figura de linguagem, daí se alguém diz:

- Nossa, minha mãe ficou com um nó na garganta no show do Roberto Carlos.

O idiota responde:

- Sua mãe se enforcou por causa do Roberto Carlos?

E ainda faz aquela cara de espanto que só os palermas têm.

Só que nem sempre são exageros assim que entram para a enciclopédia dos problemas de comunicação, tente pedir uma Coca-Cola sem limão para ver como eu estou falando a verdade.

O limão na Coca-Cola pra mim faz tanto sentido quanto colocar queijo parmesão na Coca-Cola ou colocar uma batata frita na Coca-Cola, mas por alguma estranha razão isso virou regra e hoje você praticamente precisa implorar para não vir um limão de brinde.

- E para beber?

- Uma Coca, por favor.

- Com gelo e limão?

- Não, só com gelo, por gentileza.

- Só limão? - Note aqui que a presença do limão virou uma regra tão forte que o sujeito acha melhor tirar o gelo, se for para tirar alguma coisa.

- Não, chefia, só com o gelo e sem o limão.

- Prefere então uma laranja? - Sim, agora é a laranja que inventaram para o guaraná que entra em campo.

Nesse momento você já está ajoelhado no chão do restaurante, fazendo uma mímica de talibã rezando misturada com dança da chuva:

- Não, meu amigo, eu te juro por tudo nesse mundo que só quero mesmo uma Coca-Cola com gelo e nada mais.

- Tá bom, tá bom, já entendi. Uma Coca só com gelo.

E dali a cinco minutos chega a sua Coca-Cola. Com limão. E sem gelo.

Acontece o mesmo com as azeitonas na pizza e a salada no sanduíche  "Sem azeitona" e "sem salada" parecem se transformar em "azeitonas extra, por favor" e "com bastante salada" no ouvido do garçom.

O problema é que a comunicação nunca te favorece, mesmo quando você quer pedir para acrescentar algo e não tirar.


Sei que redes de fast-food são conhecidas pela padronização e que, hoje em dia, até serviços considerados mais "personalizados" envolvem uma certa produção em série que faz as porções serem praticamente idênticas e o gosto dos produtos ser o mesmo no Rio de Janeiro e em Trípoli.

Também sei que os atendentes falam todos com aquela linguagem robotizada "Boa noite, Senhor, seja bem vindo, obrigado, um bom lanche" que parece esconder algo como "morra, maldito consumidor de junk-food". 

Todos treinados para falar igual, se comportar igual e te servir do mesmo jeito, mas, porra, custa caprichar no sundae?

Não adianta chegar num Mc Donald's e oferecer propina, favores sexuais ou mesmo ameaçar o atendente com uma pistola d'água, que você jamais conseguirá um sundae diferente do sujeito que veio imediatamente antes de você ou do que virá imediatamente após.

- Capricha nesse sundae, aí, hein, meu chapa - Nesse momento você apela para a simpatia e para aquele sentimento de "atendente de botequim" que pode estar escondido debaixo daquele uniforme e do bonezinho com um "M" amarelo bordado.

- O Senhor vai querer qual sabor?

- Caramelo, mas pô, dá uma incrementada nessa calda aí, tudo bem?

Sem nem olhar na sua cara ele continua:

- Com ou sem amendoim?

- Com bastante amendoim, coloca aí uma quantidade imoral de amendoim, por favor.

Já te entregando o sundae:

- Boa tarde e um bom lanche, Senhor.

E quando você olha, vê o mesmo sundae que viria caso tivesse chegado ali chamando ele de filho da puta, só que sem o cuspe.

Finalmente tem a questão do preço. Tudo tem seu preço, claro, mas nem sempre o preço combina com o que seria o valor real do produto. Se você estiver no meio do deserto e quiserem te vender uma lata de Soda Limonada por 50 reais, provavelmente você achará o preço justo perante a situação, mas numa praia de uma cidade pesqueira te cobrarem 200 reais por um peixe, cria aquele mal estar no estilo "estou sendo feito de babaca".

Você até tenta argumentar, dar uma melhorada, mas nessas horas a comunicação dificilmente ajuda:

- Quanto é a anchova?

- 200.

- Posso parcelar no carnê?

-...

- Sério, se eu pagar em dinheiro você não diminui isso?

- 200 é no dinheiro, meu amigo, eu só aceito dinheiro.

- Porra, mas 200 reais por um peixe? Vem com um jet-ski de brinde?

- Alugando um jet-ski sai tudo por 300. E aí? Vai querer?

Chega a ser incrível como esse casamento do ouvido de mercador com o desejo do consumidor dá tão certo.

Menos pra você, é claro.

Um pouco mais cinzas, é verdade, mas ainda por aqui

Postado em 25 de out. de 2012 / Por Marcus Vinicius 2 Comentários

A noite é uma criança, mas envelhece também.

Olhando a frente de uma velha casa de shows numa sexta-feira qualquer, pude perceber isso com a dor de uma picada de abelha: o tempo passa até para mim.

Quando cruzamos a fronteira dos 16 anos, um mundo diferente se abre para nós. Começamos a descobrir que saídas, bebedeiras, beijos em semi-desconhecidos, ambientes esfumaçados, luzes piscantes e ressacas no dia seguinte fazem parte de um jeito diferente de se divertir.

Tudo é novo e, por mais que o tempo passe e você enjoe um pouco da brincadeira, tudo continuará sendo novo com o passar dos anos, menos você. Uma porta de boate, com pernas de fora e garrafas de cerveja na mão, será sempre uma porta de boate.

A batida da música, o cheiro de vômito do banheiro, a gostosinha do bar, o DJ que teima em tocar músicas que não dizem nada sobre sua vida, tudo isso vai te acompanhar até que você  resolva sossegar ao lado de alguém e ser pai (ou mãe) de alguém.

Mas a noite vai continuar ali, no mesmo lugar em que você a deixou, até que um show de um artista que anda lançando mais "Os Melhores de" do que inéditos - ou o revival de alguma festa que você frequentava - proporcione o reencontro.


Costumava brincar que a gente só fica realmente velho quando nossas bandas favoritas tocam mais em programas de flash back do que em lançamentos. Mas isso não é uma verdade assim tão incontestável.

Atualmente qualquer coisa com mais de um ano já é flash back, então é o público que curte determinada música que vai determinar a real idade dela. Se você chega num lugar onde está rolando um "Back to the 2000's" e vê um monte de gente dessa geração das bandas coloridas, com certeza ninguém ali estará bebendo nostalgia junto com goles de Sex On The Beach. Digo isso porque na semana seguinte todos estarão ali de volta para alguma "Back to the 2005's".

E essa foi, então, a grande diferença que eu vi enquanto observava o movimento naquela sexta-feira. Topetes, tatuagens, roupas loucas e comportadas, saltos altos, cabelos coloridos, mini-saias, a sensação de algo fervendo por cima e por baixo, de que tudo pode acontecer.

Só que, observando com mais atenção, também vi cabelos grisalhos no meio dos topetes, tatuagens já meio esverdeadas pelo tempo, roupas loucas que hoje já são consideradas comportadas e algumas comportadas que agora só são usadas pelos loucos, uma marca do tempo aqui, alguém falando sobre ter deixado os filhos com a avó ali, todo mundo igual, mas de certa forma totalmente diferente.

Não nos veríamos na sexta seguinte, não teríamos outra ressaca num sábado aleatório, estávamos ali para durante uma noite poder ser de novo quem sempre fomos. Não mais funcionários, chefes, pais, mães, tios, gente responsável e toda essa baboseira que a vida vai jogando em cima das pessoas, mas apenas nós mesmos.

Bêbados, loucos, galinhas, complexados, apaixonados, tarados, drogados, dançando, pulando, cantando velhas canções que hoje dizem muito sobre nossa vida porque estiveram ao nosso lado enquanto vivíamos, cheios de saudade e com aquela sensação de opressão que um passado vivo nos cobre.

Uma máquina do tempo, com tempo marcado para voltar ao presente.

Mas naquele momento, música alta, fumaça, luzes, gritos e abraços, somos livres de novo, eternamente jovens, cumprindo a promessa de não permitir que a festa termine.

Um pouco mais cinzas, é verdade, mas ainda por aqui.

Eu te amo, mas vai pra...

Postado em 23 de out. de 2012 / Por Marcus Vinicius Nenhum comentário

Vocês estão juntos há algum tempo e sua relação chegou naquele ponto em que já é longa demais para só "deixar levar" e ainda é recente o bastante para que não sofram aquela velha pressão social por se enforcarem na frente de um padre.

O problema é que relacionamento é igual um tubarão. E antes que você pense em mordidas e canibalismo (que não estão totalmente descartados dependendo do seu tipo de relação), é com outra característica desses animais que todo casal se parece: tubarões utilizam a sustentação dinâmica para manter a profundidade, e afundam quando param de nadar.

Em outras palavras, todo mundo precisa se movimentar, senão afunda. 

Daí a existir casais que passam a vida brigando, porque, afinal, se eles não tem para onde ir, pelo menos se mantém em movimento e assim não vão para o fundo do poço - que, por sinal, geralmente sempre tem um subsolo. 

Relacionamentos iô-iô, brigas e reconciliações, DRs (discussão de relação) eternas, bate-bocas até para resolver se vão comer pizza de presunto ou calabresa. Certos casais, de tanto que deliberam sobre qualquer coisa, terminam parecendo mais uma reunião de condomínio.

Até que chega aquele momento em que ninguém sabe direito como foi parar ali. 

Vocês brigam, ela sai batendo a porta, você apaga o número dela do seu celular. A raiva aumenta, você liga o computador e apaga todas as fotos juntos, enquanto ela corta com uma tesoura todas as suas roupas que estavam na casa dela. 

Encontram os amigos e falam coisas escabrosas um do outro, como aquela mania irritante dela falar com voz de criança ou o fato de você usar o mesmo par de meias durante três dias seguidos. A coisa avança e você descobre que ela andou chamando sua mãe de "neurótica do pudim de leite" enquanto você é o "tarado do controle remoto", como vingança você espalha pra todo mundo que o pai dela já teve um filho com uma empregada e assim a coisa vai ficando cada vez mais feia.

Até que bate a saudade.

Primeiro nenhum dos dois dá muito o braço a torcer. Ela cria perfis em sites de encontro, você sai para beber com os amigos e termina a noite em boates de strip tease. Liga pra ex-peguetes, ela resolve sair com aquele chato que a tia vivia querendo apresentar, mas nada parece ter a mesma graça.

Até que vocês começam a emitir sinais de que desejam uma reaproximação. Sabe como é, uma ligação só pra avisar que precisa devolver um CD que ficou contigo, ela te encontrando na rua e dizendo que lembrou de você quando foi tomar milk-shake de jabuticaba (ninguém mais além de vocês dois gosta disso).

Não há quase nada que um tempo longe não resolva. Você esquece que ela é chata com esse negócio de ecologia (aqueles avisos "pense no meio-ambiente antes de imprimir" no fim dos emails dela nem te irritam mais tanto), ela acha que um futebolzinho no final de semana não é tão imperdoável, afinal exercício é bom para a saúde e todos os defeitos de um e de outro vistos à distância nem parece tão defeitos assim.

E vocês finalmente resolvem se encontrar pra conversar. Tanto tempo junto, tantas histórias, não tem como deixar isso assim para trás, deixar que termine com um simples "vai você pra putaquepariu!" e uma porta batendo. Pelo menos uma conversa vocês devem um ao outro.


Segundo ensinam os filmes de Hollywood isso termina com vocês dois dizendo que se amam e fazendo aquele make up sex hardcore, com direito a brincadeira com geléia de manhã e tudo.

Mas sua vida nunca foi hollywoodiana, você não gosta de comédias românticas e no final das contas sabe que vai acabar acontecendo alguma cagada de novo. E como poderia saber isso? Fácil.

Se telefonam, marcam um encontro, você vai pra lá certo de que o melhor é resolver tudo, dizer o quanto a ama, pedir para voltar e serem felizes para sempre, sentam e começam aquela conversa que supostamente terminaria na cama.

- Quanto tempo, né? - Você diz

- Pois é...

- Então queria te dizer uma coisa...

- Antes me deixa falar primeiro. Olha, eu gosto muito de você e estou disposta a te dar outra chance. Basta você deixar de ser infantil, vagabundo, parar de andar com aqueles retardados dos seus amigos, troque de meia todo dia, não deixe a toalha molhada na cama e pare com a sua ditadura do controle remoto...

- Tudo bem, mas olha...

- Eu não acabei ainda. Você precisa sair da barra da saia da sua mãe, precisa acabar de uma vez por todas com essa amizade esquisita que tem com aquela galinha do seu trabalho, sem contar a sua mania insuportável de ouvir música aos berros.

- Mas, eu só...

- Eu prometo que não reclamo mais do seu futebol no sábado, é bom fazer exercício, mas de nada vai adiantar se exercitar se você continuar se entupindo de chocolate e carne vermelha, além do que isso de jogar vídeo game é coisa de moleque, você não é mais um moleque ainda que pense que ainda é.

- Já terminou?

- Quase. Você só fala de carros, futebol, filmes de ação e faz piadas escatológicas, que tal conversar sobre moda comigo de vez em quando? Além do mais, eu preciso de um homem que respeite minhas opções pessoais, que não implique com minhas viagens de negócios, que entenda caso eu não queira transar por duas semanas seguidas se eu estiver muito ocupada e, claro, que faça planos para o futuro e não só para as próximas férias.

- ...

- Pronto, terminei. O que você queria me falar?

- Sabe se o meu CD do Whitesnake ficou contigo?

- Era isso?

- Basicamente. Tá afim de um milk-shake de jabuticaba?

- Vai pra putaquepariu, vai.

Estamos virando memês

Postado em 18 de out. de 2012 / Por Marcus Vinicius Nenhum comentário


Os palermas finalmente descobriram que estão em maioria e o resultado disso é esse mundo em que vivemos hoje.

Não adianta querer relativizar e dizer que isso é fruto daquele sentimento de nostalgia pelo que não vivemos,  de saudade de uma época passada que é sempre melhor do que a presente porque é idealizada e nem de misantropia incurável, é fato que vivemos hoje cercados de palermas por todos os lados.

Ainda que por vezes sejamos parte do oceano de imbecis, é certo que haverá sempre alguém ainda mais imbecil logo ali na frente, só para nos mostrar como a imbecilidade alheia incomoda. Sim, nenhum mau humorado gosta do mau humor alheio, assim como nenhum imbecil costuma gostar da imbecilidade alheia, ainda que seja necessário um pouco de cérebro para identificá-la.

Então se pelo menos consegue identificar quando alguém perto de você está sendo cretino (e não tem vergonha de saber disso), pode ficar feliz, você tem salvação.

Só quem não tem salvação são os que repetem ad nauseam coisas idiotas porque "todo mundo também está fazendo". Foi esse tipo de pensamento, aliás, que levou a humanidade a permitir a criação de bombas atômicas, a comprar bambolês e a dançar o Twist.

Isso sem mencionar aquelas danças tão idiotas quanto brasileiras (ou tão brasileiras quanto idiotas?) como a boquinha da garrafa, a dança da tartaruga, a dança do maxixe (duas "mulher" com um "homi" no meio fazendo um sanduíche) e, claro, a dança da bundinha.

Essa sensação de impunidade histórica que cerca o que se chama de "moda" é o que te leva a pensar hoje em como era ridículo o que fazia ontem, mas acredite, meu amigo, era ridículo ontem também, você só parecia não prestar muita atenção nisso porque estava mais preocupado em marchar junto com as tropas de palermas do que em parar um pouquinho e ver como aquilo iria sujar seu currículo depois.


Óbvio que todo mundo tem seus surtos de vez em quando. É um direito constitucional não escrito de cada cidadão agir como um babaca de vez em quando. O problema é quando você resolve fazer isso o tempo todo.

E parece que a globalização, a internet, as tecnologias que fizeram o mundo ficar do tamanho de Ritápolis (MG, 4.925 habitantes), serviram para nos mostrar que um sujeito lá na Albânia ou na Austrália pode ser tão idiota quanto aquele seu vizinho que te acorda todo sábado pela manhã ouvindo "Gangnam Style" aos berros.

Atualmente não temos mais piadas, notícias ou assuntos, temos memês. Todo mundo está virando um memê.

Qualquer notícia, curiosidade, fotografia engraçada, pose bizarra ou frase idiota termina perdendo todo o impacto depois de uma repetição enfadonha que transforma tudo na mesma geléia disforme da idiotice.

Se você comenta sobre a situação do país, ouve que todo mundo tá puto com a corrupção, "menos a Luiza, que está no Canadá". Se fala sobre uma briga que viu no trânsito, alguém chega e diz algo sobre o "Chuck Norris que nunca apanha".

Seu amigo comenta sobre um dia ruim no trabalho? Recebe logo um daqueles quadrinhos "como pensam que é meu trabalho, como eu quero que pensem, como realmente é, blablabla". Sua tia diz que não aguenta mais as pessoas falando o tempo todo de novela? Você logo responde "ui, ela não gosta de novela".

E por aí vai.

Tudo termina vítima dessa idiotização de qualquer assunto e estamos sempre presos a essa obrigação social de ter que trazer um sorriso babaca na cara o tempo todo.

Parece que a humanidade chegou num ponto onde já deu o que tinha que dar, por isso - até por questões de sobreviver à seleção natural - é bom que você cultive mais seu mau humor, sua intolerância às idiotices, seu senso de auto-babaquice e tente agir diferente do resto da manada. Mesmo que só um pouco.

A história nos mostra as merdas que acontecem quando gente demais se junta para fazer tudo igual, vide o nazismo, o fascismo e o comunismo, que no final das contas não passaram de memês de péssimo gosto.

Tá correndo de quem?

Postado em 16 de out. de 2012 / Por Marcus Vinicius 1 Comentário

Frequentei um curso de espanhol onde conheci um coroa que já tinha sido quase tudo na vida. Soldado na guerra, exilado na ditadura, amante da Virgínia Lane, croupier do Cassino da Urca. Tinha uns 80 anos, bebia e fumava como um gambá e dizia com todo orgulho: detesto fazer exercício.

Certa vez, numa dessas suas apologias (ou seriam exaltações?) ao ócio e ao sedentarismo, a professora (orgulhosa associada do clube da geração saúde) perguntou para ele:

- Mas nem uma voltinha no Aterro?

E ele:

- Não, claro que não! Eu fico do meu apartamento só olhando todo mundo lá embaixo.

- E não sente vontade de descer nem um pouco?

- Eu sinto é pena deles, minha filha.

- Mas por que pena?

- Todo mundo correndo daquele jeito sem estar fugindo de ninguém ou indo a algum lugar chega a ser deprimente.

Todo mundo riu daquela estranha teoria, mas acabei lembrando dela por conta de um texto curto que achei na internet, que criticava essa importância desmedida que damos hoje em dia a "estar ocupado".

Ninguém gosta de admitir que simplesmente está a toa. Pergunte a um sujeito quantas vezes ele faz sexo por semana, se ele já foi ao proctologista esse ano ou o que ele pensa sobre a liberação das drogas no Jardim de Infância e você não verá tanto desconforto quanto ao perguntar "e aí, está a toa?".

Sei que essa pergunta embute um sério perigo, já que se você responder que sim, está a toa, provavelmente vão te pedir algum favor, mas nem sempre é por auto-proteção contra chato que as pessoas se incomodam com isso, é porque hoje em dia é "feio" não estar sempre "ocupado", "correndo", "indo a algum lugar", "resolvendo alguma coisa".

Tendemos a valorizar o fato do outro estar "se fodendo". Se você liga para um sujeito do seu trabalho e ele te diz que está na piscina, tomando uma piña colada e comendo camarões, a sua primeira reação é pensar "que f.d.p.", a segunda reação é pensar " por que não eu?" e as reações subsequentes são "ele deve estar roubando dinheiro de alguém" e "mas que vagabundo sem vergonha".

É justamente por isso que muita gente prefere camuflar seus momentos de diversão (exceto quando todo mundo também está se divertindo, como num feriado) com afazeres especialmente planejados para fazer com que aquela tarde de compras num shopping vire um "abacaxi" descascado.


- Fez o quê hoje o dia inteiro?

- Ah, fui no shopping...

- Só passeando, né?

- Tá louco? Fui pagar a conta de luz na lotérica, depois fui tirar xerox para um trabalho e ainda terminei passando duas horas na fila do estacionamento.

- Foda...

O sorvete e o cineminha obviamente são omitidos.

Isso já seria suficientemente ruim se ainda não usássemos essa coisa da "falta de tempo" como desculpa para quase tudo. Não vai visitar a avó durante seis meses? É o trabalho te consumindo. Não toma um chopp com seu melhor amigo desde quando ele ainda tinha cabelo? É a correria! Não dá nem bom dia pro sujeito da mesa ao lado no escritório? É o caminhão de emails pra responder (esqueça o tempo perdido vendo bobagens no YouTube e batendo papo no Facebook).

Não lê mais um livro? Não brinca com a sua sobrinha? Paga a mensalidade do clube mas nem lembra mais onde fica a piscina? É porque "alguém precisa trabalhar nesse país!".

No final das contas vamos nos tornando uma sociedade que endeusa os workaholics, os chatos, os que "não perdem tempo com bobagens", como se houvesse algo melhor do que passar uma tarde inteira de pernas pro ar numa praia.

É, como já ouvi por aí, a "glorificação do ocupado", a valorização da falta de tempo, como se o tempo já não nos faltasse naturalmente, por sua própria natureza. É o tipo de pensamento que cria aqueles consensos burros (já diria Nelson Rodrigues) do tipo "ah, a pessoa sem estar ocupada não é ninguém" e aqueles diálogos surreais no estilo:

- O que você faria se ganhasse na Mega Sena?

- Não faria mais nada pra ninguém, ia passar o resto da vida acordando na hora que eu quisesse, viajando para onde eu quisesse e só fazendo o que eu quisesse o tempo todo.

- Nossa, mas que coisa vazia...não ia mais fazer nada? Abrir um negócio, trabalhar com algo que te dê prazer?

- Não.

- Acho que jamais conseguiria isso, eu sem trabalho até morro.

- Então por que não doa suas férias no emprego todo ano?

- ...

Por isso é que a liberdade nunca estará totalmente completa enquanto você não tiver um passaporte, um título de eleitor, uma carteira de motorista, o direito à opinião e a coragem de responder, quando perguntarem se você está a toa:

- Sim, estou. E pretendo continuar.

Múltiplas escolhas

Postado em 11 de out. de 2012 / Por Marcus Vinicius 1 Comentário

Decisões, decisões, são tantas decisões.

Desde quando você aprende a falar até a hora de fazer o testamento, a vida gira basicamente em torno de fazer escolhas, muitas das quais você até queria fazer e outras que você é obrigado. Se alguém me perguntasse de uma hora pra outra "o que é a vida?", eu poderia responder na boa: é escolher.

A primeira de todas as escolhas é estar vivo, lógico, afinal, basta um pouco de chumbinho (mata o rato, seca o rato, coitado do rato) e você não vai precisar escolher mais nada. Mas supondo que você não tenha optado pelo chumbinho (caso contrário nem estaria lendo isso), você vai passar o resto da vida fazendo escolhas.

A liberdade é, inclusive,  poder fazer escolhas. E uma leva à outra. Por exemplo, um cara escolhe dirigir feito um cretino no trânsito, um outro escolhe xingar o cretino, os dois escolhem sair do carro e encher a cara um do outro de porrada, a polícia chega e leva os dois em cana, onde não poderão escolher muita coisa além de ser namorado de um negão chamado Jamal ou de um mulato chamado Jibóia.

Mas certas horas na vida, você simplesmente não sabe o que quer. Não tem a menor idéia do caminho a tomar, como escolher uma profissão, por exemplo. E ainda assim as pessoas, a sociedade, seus amigos, sua família e a mulher no guichê de inscrição do vestibular esperam que resolva se quer ser médico ou advogado e assim você resolve decidir isso da maneira mais científica possível: perguntando a um amigo o que ele acha.

- Vai tentar o quê, cara?

- Contabilidade.

- Taí, acho que vou fazer isso também porque a gente toma um choppinho todo dia na saída, que tal?

- Pô, já é.

Esse exato momento, essa escolha que você foi obrigado a fazer é que se torna responsável por tudo o que aconteceu depois, desde a descoberta que odeia cálculo, atá conhecer a Fernanda, aquela aluna de Economia que você namorou 3 anos e depois descobriu que na verdade era o Fernando, que escolheu virar mulher quando passou no vestibular e, finalmente, responsável por você estar aí sentado nesse cubículo numa distribuidora de tintas para impressoras, preenchendo livros caixa e planilhas de Excel o dia inteiro.


As escolhas nunca param, se vamos casar, depois se vamos ou não ter filhos e, principalmente, qual será o nome deles, afinal, pergunte para alguém chamado "Adalgamir" se ele gostaria de ter outro nome.

Claro que nem todas as decisões são tão dramáticas quando essa, mas nem por isso são menos complicadas. Se você resolve ficar sábado a noite em casa vendo um DVD, quando passa das 2:00 da madrugada começa a dúvida "será que eu devia ter saído? E se a mulher da minha vida estiver nesse momento bêbada e prestes a sair de uma boate com um sujeito de camiseta regata?".

Mas você se coloca uma roupa, perfume, gel no cabelo arrumando um topete meio Elvis, meio Neymar, vai pra noitada, chega 2:00 da madrugada - e 200 reais no cartão de consumo depois - não pegou ninguém, passa o resto da noite com dor de corno e aquele mantra na cabeça "ver DVD saía mais barato, ver DVD saía mais barato".

E o pior de tudo é que mesmo com tantas escolhas, normalmente conseguimos acertar justamente a que é a pior opção. A menina termina o namoro, o sujeito que ela namorava ganha na Mega Sena. O cara não dava idéia pra gordinha da casa em frente, ela vira Panicat. E por aí vai.

A história, a literatura e o cinema estão erguidos sobre os alicerces de escolhas equivocadas. E se Dom Pedro não resolvesse parar para se aliviar na moita, será que teria declarado a Independência? E se Hitler tivesse sido aceito na escola de pintura? Será que arrumaria um namorado chamado Pierre e seria menos tenso?

E se não tivessem inventado uma história onde vampiros brilham na luz do sol como acontece na saga "Crepúsculo"? Será que a população se metrossexuais e meninas fingindo que são lésbicas seria menor?

Nossas escolhas dão sentido às nossas vidas. O tamanho e a cor do cabelo, começar ou não uma dieta, fazer ou não exercícios, dar bom dia aos vizinhos, viajar para a praia ou para a serra, em quem votar nas eleições.

Se bem de que essa parte das eleições parece sempre terminar no mesmo lugar: independente da escolha, você vai ficar puto com alguém.

Legal mesmo é decidir se prefere bem ou mal passado, com ou sem azeitonas, Diet ou normal, Quarteirão ou Cheddar.

Mas dentre todas as escolhas que fazemos diariamente, nenhuma é tão característica da nossa época quanto à que responde uma pergunta que ouvimos o tempo todo:

- É crédito ou débito?

Artigos de luxo da vida moderna

Postado em 9 de out. de 2012 / Por Marcus Vinicius 1 Comentário

Um diamante só vale muito porque é raro. Se chutássemos diamantes andando pela rua eles custariam o mesmo que brita e seriam vendidos em metros cúbicos, transportados num caminhão. Uma gostosa de barriguinha sarada só é uma gostosa de barriguinha sarada porque é difícil ser uma gostosa de barriguinha sarada.

Você precisa se abster de comer coisas que são gostosas (mas engordam) e se alimentar basicamente de grãos, alface e clorofila, além de malhar todo dia. Se todo mundo nascesse com a tal "barriga chapada" e fosse difícil arrumar uma pança prodigiosa, provavelmente as pessoas passariam as noites comendo Cheetos na frente da TV e a Playboy se chamaria Play-boi.

Tudo bem, o trocadilho foi ruim, mas acho que já deu para perceber qual é a idéia aqui: mostrar que só o que é raro é valorizado, custa caro e vira objeto de desejo.

Percebi isso quando entrei numa loja de roupas num desses mercados populares e disse à vendedora:

- Bom dia, vocês vendem camisetas brancas?

E ela:

- O Senhor não é daqui, né?

Perguntei o porque e ela disse:

- Muito educadinho, me deu "bom dia" e tudo, isso é coisa de turista.

Fiquei mais chocado do que lisonjeado, porque não deixa de ser meio assustador viver numa cidade onde um mínimo de boa educação seja considerado algo raro a ponto de merecer um comentário.

Mas depois disso (e só por isso, com certeza) passei a prestar mais atenção nesse tipo de coisa, tanto na reação dos outros ao ouvir um "por favor" ou "obrigado" quanto na quantidade reduzida de gente que utiliza desse tipo de, digamos, vocabulário para o seu dia a dia, e confesso que a vendedora realmente tinha razão: o "bom dia" é o nosso diamante, o nosso abdômen sarado.

Lembrando uma imagem que circulou bastante pela internet, de um cartaz numa lanchonete na Europa onde se lia: "um café: 2 euros", "um café por favor: 1,5 euros" e "bom dia, um café, por favor: 1 euro", dá pra imaginar que na cotação educação-cafezinho os brasileiros pagariam algo em torno de 10 a 15 euros por uma xícara.

O normal por estas bandas é responder a um "boa tarde" - que algum herói da resistência da polidez diz no elevador - simplesmente com alguns grunhidos, é passar pelo sujeito que acabou de abrir a porta para você e não dizer nem um mísero "valeu", é dar a vez para alguém e notar que a pessoa simplesmente continuou conversando no celular como se você não tivesse feito nada além da sua obrigação, sem ao menos levantar aquela mão espalmada igual índio de filme de caubói e dizer "hau!".


Quando a relação se dá com prestadores de serviço então é mais grave. Uns, os clientes, fazem questão de agir como se a palavra "serviçal" já não tivesse uma carga negativa suficientemente forte e tratam as pessoas como serviçais literalmente:

- Boa tarde Senhora, seja bem vinda ao Mercadex, o que a Senhora deseja?

- Um quilo de queijo.

Assim mesmo, a seco, sem nem um "porfá".

Mas o problema é que o contrário também acontece (e eu já passei por isso algumas vezes). Você entra no estabelecimento e por alguma razão qualquer está de bom humor (não que boa educação necessite de bom humor, mas com certeza ajuda) e resolve compartilhar um pouco daquele seu sentimento "mundo de pelúcia" com o balconista:

- Boa tarde, meu camarada, tudo bem? Por gentileza, vocês têm sorvete de menta?

- Não.

- E quais sabores tem, por favor?

- O que tem tá ali escrito na placa, vai querer ou não?

A vontade nesse momento é entrar naquele hype de interação humana pós-apocalíptica dele e dizer "quero sim, quero que você vá para a puta que pariu".

Pedir desculpas, que já não é algo muito fácil de fazer normalmente, fica ainda mais difícil. Se te dão uma topada, derrubam cerveja em você ou jogam acidentalmente uma lata de refrigerante na sua cabeça ao invés da lixeira, a reação mais comum será algum palavrão, algumas risadinhas ou o silêncio. Nada de desculpas. Jamais. Não existem mais brasileiros equivocados no mundo, todos estão sempre certos em tudo, mesmo se tiverem acabado de urinar no seu pé, no meio de uma calçada.


É a aposentadoria quase definitiva do "bom dia, boa tarde e boa noite" e também dos "obrigados", "por favores" e "com licenças".

Agora se você quer passar por alguém que está na sua frente basta avaliar se ele é grande o bastante para te dar uma surra depois, se não for, é só empurrar e passar correndo. Pronto, nada daquelas chateações e demoras que a delicadeza exige.

Não sei bem quando começou essa dominação da falta de educação sobre o nosso cotidiano. Se é culpa da modernidade, do calor dos trópicos, da sociedade sempre preocupada em fazer tudo correndo e em não perder tempo com coisas supérfluas, mas fica sempre essa sensação de que viver em sociedade atualmente é como estar trancado num quarto com um gorila irritado, ou seja, você nunca sabe o que pode acontecer no minuto seguinte, só sabe que provavelmente não vai ser nada muito legal.


Mais educação, pessoal, por favor.

Tudo que eu até seria se não fosse eu

Postado em 4 de out. de 2012 / Por Marcus Vinicius 4 Comentários

Nasci no Rio de Janeiro, fui um excelente aluno na escola, jogava no time de futebol do bairro e sempre adorei calor. Surfava em Santa Catarina nas férias, nunca precisei fazer dieta e aprendi a falar inglês em seis meses, tal qual prometia a propaganda do cursinho.

Namorei a Ana Flávia, aquela loira de olhos azuis e cara de cheerleader de filme americano e só terminei com ela porque me mudei com a família para a Flórida, onde conheci a Katie, uma morena de olhos puxados com cara de índia de filme brasileiro. Terminei com ela quando voltei para o Brasil e preferi ficar sozinho um tempo me dedicando a mim mesmo.

Entre a vontade do meu pai de que eu fosse engenheiro e a da minha mãe de que fosse designer de interiores, escolhi ser arquiteto. Comunicação, jornalismo ou ciências sociais jamais passaram pela minha cabeça, pelo menos não enquanto eu estava preocupado em passar no concurso para o Banco do Brasil, a Petrobras e o TRE.

Escolhi o que me permitia conciliar estudo e trabalho, sem que eu negligenciasse o treino diário na academia e as corridas no final de semana. Antes de me formar, tirei um ano para fazer um mochilão na Europa.

Consumi vinho francês, paella espanhola e garçonetes suecas. Fiz um monte de amigos e voltei praticamente irmão de um herdeiro do petróleo do Qatar. Depois dei uma fugida até a India onde os garotos subindo em árvores para pegar frutas me lembravam a infância, quando subia para pegar jaboticabas no pé.

Nunca tive ansiedade, nunca senti ciúme, nunca chorei por dor de corno, nunca tomei um porre que me fizesse perder o controle e vomitar no pé de alguém. Pra te ser sincero, nunca me lembro de ter sequer ultrapassado um sinal vermelho.

Quando chegou a hora, me casei. Depois de me formar e receber duas promoções no emprego, claro, com direito a viagens de negócios para Dallas, Estocolmo e Lisboa.

E sentado nessa varanda de frente para o mar lembro exatamente que tivemos filhos na hora de ter filhos. Todos na escola foram excelentes alunos. Jogavam no time do bairro, adoravam calor e surfavam nas férias em Santa Catarina. Nunca precisaram fazer dieta e também aprenderam a falar inglês em seis meses, tal qual prometia a propaganda do cursinho.

O resto da história deles acho que você já desconfia. Com a diferença que eu queria que fossem médicos e a mãe, veterinários. Resolveram ser psicanalistas.



Nunca traí e nem me senti tentado, ainda que tenha trabalhado com mulheres tão gostosas quando a Jennifer Lopez, sensuais como a Angelina Jolie e loiras como a Marilyn.

Nunca soneguei imposto, nunca reclamei do país, sempre mantive uma postura positiva até nos maiores problemas, inclusive quando tive uma dor de barriga durante um apagão no metrô. Sim, sim, eu tenho dor de barriga de vez em quando, basta que exagere demais no suco de clorofila e na pizza de rúcula.

Não te contei? Minhas comidas prediletas são alface, cenoura, brócolis e rúcula. Nunca entendi essa paixão das pessoas por chocolate, pra te ser sincero, não sinto a menor vontade.

Nem de chocolate e nem de café, ou cerveja, ou batata-frita ou de socar alguém de vez em quando (e olha que sou faixa preta de jiu-jitsu e karatê).

Deve ser porque sou muito equilibrado, maduro e quase sem dúvidas sobre nada, mas nem por isso fico por aí esfregando meu sucesso na cara dos outros, afinal, também sou um sujeito humilde.

Sei liderar e ser liderado, não grito com os outros, não sou egoísta e nem babaca a ponto de me tomarem o que é meu, enfim, nem uma balança digital é tão precisa quanto eu sou com meus sentimentos. Faço caridade, sei pintar, sempre votei em todas as eleições e faço mutirão de conservação da pracinha perto da minha casa.

Envelheci com dignidade. Não tentei esconder as rugas, não fiquei com medo do tempo passando, não procurei bancar o garotão em busca do tempo perdido, muito porque não perdi tempo algum. Sempre vivi como um cronômetro, tudo na hora e no tempo certo.

Nasci no tempo certo, cresci no tempo certo, casei no tempo certo, tive filhos no tempo certo, netos no tempo certo, tudo de acordo com o que as pessoas esperavam de mim, mas agora estou com um problema.

O primeiro de todos é que eu não existo, é lógico. Sou apenas a soma de tudo o que o mundo espera de cada um de seus bilhões de habitantes, que passam a vida tentando corresponder à essas expectativas enquanto se entopem de emagrecedores e Prozac, mas ainda assim, caso eu realmente existisse, provavelmente teria excelente saúde, disposição e lucidez, e sempre que descobrissem que eu estou com 100 anos e ainda jogo futebol aos sábados, me diriam:

- Nossa, isso tudo!?

Como se a sociedade esperasse que eu cumprisse o tempo certo até para morrer.

A dúvida é: teria que me matar para não decepcionar ninguém ou só mentir e me fingir de morto?

O que ainda não vi no Horário Eleitoral Gratuito

Postado em 2 de out. de 2012 / Por Marcus Vinicius Nenhum comentário

Uma das (des)vantagens de morar no Brasil é que aqui aquela propaganda política obrigatória na TV é bienal. Se qualquer país tem sua Bienal do Livro e das Artes, nós temos a Bienal da Tosquice.

E assim quando não são os candidatos a deputado demonstrando o porque da nossa classe política ser talvez pior até mesmo do que a do Congo, são os candidatos a vereador desfilando um festival de bizarrices, sub-celebridades, tios da coxinha, tias do vôlei da praça e até ex-gostosas em busca de uma teta com salário alto e verba de gabinete durante quatro anos.

Observando qualquer programa eleitoral de qualquer estado ou cidade brasileiros, fica a impressão de que os partidos procuram os piores alunos de cada escola e a lista dos últimos colocados em concursos públicos e os convidam a tentar uma sorte naquela que só não é a profissão mais antiga do mundo, porque a maioria dos que a exercem são filhos das profissionais que exercem a primeira.

Claro que existem candidatos dignos de um programa humorístico de tortas na cara para qualquer cargo (alguns até saem mesmo de programas humorísticos para tentar fazer pastelão em alguma câmara ou assembléia), mas é no baixo clero, na briga por uma vaga de vereador ou deputado, que a gente vê que o Brasil podia mudar de nome para SBT, que dava no mesmo.

Tem para todos os gostos. O candidato dos animais, que vai lutar por um hospital veterinário que, dependendo da qualidade do serviço, vai concorrer pau a pau com o atendimento do SUS. Outro com o slogan "dê emprego a quem gosta de trabalhar!", como se uma vaga de estivador ou varredor de rua também não fosse um emprego.


Alguns tentam apelar para o sentimento corporativista que mora dentro de todos nós e tentam se conectar ao eleitorado mostrando que são da sua turma, como o "vereador dos peixeiros", a "deputada das manicures" ou o "candidato dos aposentados". O problema é que pode ser que apareça mais um candidato querendo representar peixeiros, manicures e aposentados e aí a tendência é afunilar ainda mais, favorecendo possivelmente até o surgimento do "representante dos fãs do Kiss antes da saída do Ace Frehley, porque depois disso a banda deixou de ser true".

Outros ainda assumem personagens como "Roberto Esponja", "Márcio Bros" e "Sílvio Sonso".

Mas esses pelo menos mostram claramente que focam naquele grupo de eleitores que possui QI menor do que o deles. O que fica difícil de engolir são aqueles "Fulano Mecânico", "Zé da Farmácia", "Helô do Pastel", entre outros, gente que te aborda na sua vizinhança achando que você vai se tornar seu eleitor só porque eles consertam seu carro, te vendem umas Aspirinas sem receita ou fazem concorrência pro chinês da esquina.

O que dizer então de gente que é "a favor da família", que "luta contra a dengue" ou que é "contra a pobreza"? Como se fosse possível se candidatar dizendo que é a favor da pobreza.

Pobreza que, aliás, vira currículo. "Minha infância foi pobre", "minha vida foi muito difícil", "minha mãe já nasceu analfabeta".

No final das contas, o que eu ainda não vi e queria ver na TV é alguém corajoso o bastante pra dizer isso:

- Sou pilantra mesmo, vou cobrar propina, vou aceitar mensalão, mensalinho e até mensalidade, mas se for eleito, prometo dividir tudo com você.

Como o brasileiro tem mais vocação para cúmplice do que para eleitor, tá arriscado um cara assim receber um caminhão de votos.
 
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