Tá correndo de quem?

Postado em 16 de out. de 2012 / Por Marcus Vinicius

Frequentei um curso de espanhol onde conheci um coroa que já tinha sido quase tudo na vida. Soldado na guerra, exilado na ditadura, amante da Virgínia Lane, croupier do Cassino da Urca. Tinha uns 80 anos, bebia e fumava como um gambá e dizia com todo orgulho: detesto fazer exercício.

Certa vez, numa dessas suas apologias (ou seriam exaltações?) ao ócio e ao sedentarismo, a professora (orgulhosa associada do clube da geração saúde) perguntou para ele:

- Mas nem uma voltinha no Aterro?

E ele:

- Não, claro que não! Eu fico do meu apartamento só olhando todo mundo lá embaixo.

- E não sente vontade de descer nem um pouco?

- Eu sinto é pena deles, minha filha.

- Mas por que pena?

- Todo mundo correndo daquele jeito sem estar fugindo de ninguém ou indo a algum lugar chega a ser deprimente.

Todo mundo riu daquela estranha teoria, mas acabei lembrando dela por conta de um texto curto que achei na internet, que criticava essa importância desmedida que damos hoje em dia a "estar ocupado".

Ninguém gosta de admitir que simplesmente está a toa. Pergunte a um sujeito quantas vezes ele faz sexo por semana, se ele já foi ao proctologista esse ano ou o que ele pensa sobre a liberação das drogas no Jardim de Infância e você não verá tanto desconforto quanto ao perguntar "e aí, está a toa?".

Sei que essa pergunta embute um sério perigo, já que se você responder que sim, está a toa, provavelmente vão te pedir algum favor, mas nem sempre é por auto-proteção contra chato que as pessoas se incomodam com isso, é porque hoje em dia é "feio" não estar sempre "ocupado", "correndo", "indo a algum lugar", "resolvendo alguma coisa".

Tendemos a valorizar o fato do outro estar "se fodendo". Se você liga para um sujeito do seu trabalho e ele te diz que está na piscina, tomando uma piña colada e comendo camarões, a sua primeira reação é pensar "que f.d.p.", a segunda reação é pensar " por que não eu?" e as reações subsequentes são "ele deve estar roubando dinheiro de alguém" e "mas que vagabundo sem vergonha".

É justamente por isso que muita gente prefere camuflar seus momentos de diversão (exceto quando todo mundo também está se divertindo, como num feriado) com afazeres especialmente planejados para fazer com que aquela tarde de compras num shopping vire um "abacaxi" descascado.


- Fez o quê hoje o dia inteiro?

- Ah, fui no shopping...

- Só passeando, né?

- Tá louco? Fui pagar a conta de luz na lotérica, depois fui tirar xerox para um trabalho e ainda terminei passando duas horas na fila do estacionamento.

- Foda...

O sorvete e o cineminha obviamente são omitidos.

Isso já seria suficientemente ruim se ainda não usássemos essa coisa da "falta de tempo" como desculpa para quase tudo. Não vai visitar a avó durante seis meses? É o trabalho te consumindo. Não toma um chopp com seu melhor amigo desde quando ele ainda tinha cabelo? É a correria! Não dá nem bom dia pro sujeito da mesa ao lado no escritório? É o caminhão de emails pra responder (esqueça o tempo perdido vendo bobagens no YouTube e batendo papo no Facebook).

Não lê mais um livro? Não brinca com a sua sobrinha? Paga a mensalidade do clube mas nem lembra mais onde fica a piscina? É porque "alguém precisa trabalhar nesse país!".

No final das contas vamos nos tornando uma sociedade que endeusa os workaholics, os chatos, os que "não perdem tempo com bobagens", como se houvesse algo melhor do que passar uma tarde inteira de pernas pro ar numa praia.

É, como já ouvi por aí, a "glorificação do ocupado", a valorização da falta de tempo, como se o tempo já não nos faltasse naturalmente, por sua própria natureza. É o tipo de pensamento que cria aqueles consensos burros (já diria Nelson Rodrigues) do tipo "ah, a pessoa sem estar ocupada não é ninguém" e aqueles diálogos surreais no estilo:

- O que você faria se ganhasse na Mega Sena?

- Não faria mais nada pra ninguém, ia passar o resto da vida acordando na hora que eu quisesse, viajando para onde eu quisesse e só fazendo o que eu quisesse o tempo todo.

- Nossa, mas que coisa vazia...não ia mais fazer nada? Abrir um negócio, trabalhar com algo que te dê prazer?

- Não.

- Acho que jamais conseguiria isso, eu sem trabalho até morro.

- Então por que não doa suas férias no emprego todo ano?

- ...

Por isso é que a liberdade nunca estará totalmente completa enquanto você não tiver um passaporte, um título de eleitor, uma carteira de motorista, o direito à opinião e a coragem de responder, quando perguntarem se você está a toa:

- Sim, estou. E pretendo continuar.

1 Comentário:

Anônimo postou 16 de outubro de 2012 às 16:13

Muito bom ! concordo totalmente
As vezes me pergunto como foi que a sociedade se tornou essa coisa insossa ; e o pior de tudo, essa loucura ser considerada "normal" por todos

 
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