A coerência nossa de cada dia.

Postado em 24 de abr. de 2013 / Por Marcus Vinicius 2 Comentários

Certa vez ouvi um colega de faculdade, branco e filho de juiz, dizendo assim:

- Essa classe média pseudo-européia tem que se foder muito, porque na hora em que o oprimido resolver tomar conta de tudo, vai todo mundo pro paredão!

Eu olhava para a boca do sujeito falando isso, olhava para a blusa da Calvin Klein no peito dele, o Swatch no pulso e o iPhone no bolso e pensava "algum encosto de Sierra Maestra baixou nesse moleque, não é possível".

Mas é. A esquerda leite com pêra do Brasil (queria falar da América Latina, mas tenho a sorte de não conhecer seus países tão a fundo a ponto de descobrir que o revolucionário Big Mac também existe por lá) é portadora de uma profunda e praticamente incurável esquizofrenia cognitiva. 


Não é que o que ele diz vá de encontro ao que ele pratica na vida, isso já é esperado, o que acontece é pior: ele consegue dizer uma coisa e depois falar outra completamente desconectada do que disse primeiro, dependendo de quem seja o alvo da sua fúria.

Por exemplo, aquele artista engajado que recebe salário de ator de novela e adora contar na Caras o que comprou, pra onde viajou e quanto gastou, mas que passa as madrugadas no Twitter xingando a imprensa golpista, a mídia, a Globo.

E assim como ele, tantos outros. Se você der uma passeadinha por aí vai ouvir de tudo, de todo tipo de gente "progressista" e "coerente".

Do cara que se diz revolucionário e contra o sistema, mas que sai até na porrada numa festa de batizado se alguém falar mal do governo:

- Chupa reaça! Deixa de ser conservador, cara, esquece isso. Você vai ter que engolir, o PT está há dez anos no poder e tem que ficar mais  uns vinte!

Da mocinha do "bem", vegetariana e doadora da WWF, que acha um horror aquela churrascaria rodízio, afinal, animais são amigos e não comida:

- Tomara que o desgraçado que atropelou esse cachorro para não bater de cara num poste seja morto junto com a família inteira num acidente numa roda gigante.


Do estudante de Sociologia, diz que "gosta de pessoas", apoia a poligamia e é ativista xiita da passeata gay:

- Detesto preconceituoso. Tomara que o filho daquele pastor seja gay, hahaha vou zoar muito.

Da feminista que lê Karl Marx, acha as propagandas de cerveja um absurdo e dá um piti e se acha "coisificada" quando recebe uma cantada de algum bêbado na rua (porque né, sovaco cabeludo só bêbado):

Mulheres devem ter direitos iguais, não é possível que esses "mascus" (N. da T.: apelido pejorativo dado a homens que não apoiam o feminismo) filhos das putas não aprendam o lugar deles, sociedade machista de bosta, vê essas amélias, tinham que passar o resto da vida lavando cueca e sendo cornas.

Do barbudinho que milita no DCE, adora um forró pé-de-serra e qualquer outra coisa "de raiz", curte fumar um baseado e detesta a polícia, mesmo que ela apareça para salvar uma velhinha de 90 anos de um estupro coletivo praticado por esquilos: 


- Polícia é tudo fascista. Polícia lembra ditadura, cara, e a ditadura foi atroz. Não sei como alguém ainda pode ser de direita e gostar de polícia depois daquilo. Merece ser colocado num pau de arara e levar uma coça.

Dos ecologistas que te olham torto porque você pegou mais de duas folhas de papel para enxugar a mão ou então porque dá mais do que uma descarga no banheiro de casa por semana:


- Minha gente, vamos nos conscientizar! Os recursos da Terra vão acabar! Acho que precisamos urgentemente organizar um show de rock que gaste vários quilowatts de energia para protestar contra isso!


E finalmente, o defensor da democracia, da igualdade, da livre expressão, desde que você não seja um escroto, babaca e ignorante que precisa ler mais e parar de discordar das opiniões dele:

- Precisamos defender Cuba (mesmo governo há 54 anos) e a Venezuela (mesmo governo há 15 anos) contra a ditadura estadunidense (eleições regulares de 4 em 4 anos)!


Só posso concluir que o maior perigo que corremos debatendo qualquer coisa com esse pessoal é deles um dia concordarem com a gente.

Não ria, isso pode acontecer a qualquer consumidor no Brasil

Postado em 17 de abr. de 2013 / Por Marcus Vinicius Nenhum comentário

- Boa tarde, tudo bem?

- A fila pra pagar é ali do outro lado.


- Mas a moça de lá disse que para pagar é aqui.


- Não, aqui é a fila para tirar a comanda para entrar na fila para pagar.


- Tá, então eu pego o pedido aqui, pago lá e depois volto para pegar meu sorvete, é isso?


- Não, senhor. Aqui você pega a comanda, depois paga lá e aí vai para aquela fila ali pegar o sorvete.


- Entendi, pode me dar a comanda então, por favor?


- Vai querer o quê, hein?


- Duas bolas na casquinha por favor.


- Toma.


- Obrigado.


- Próximo!


- Boa tarde, tudo bem? É aqui que eu pago a comanda do sorvete?


- Cadê a comanda? Me dá aqui. "É" R$10,50.


- Quer uma moeda de 0,50?


- Ih, num tem menor não? Eu tô sem troco.


- Tudo bem, eu pago no débito.


- A senha, senhor, a senha! Pronto, tira o cartão, tira o cartão!


- Obrigado.


- Próximo!


- Boa tarde, é aqui que eu pego o meu sorvete?


- Normal ou diet?


- Uma casquinha normal, mista crocante de chocolate e creme.


- Não tem crocante.


- Tudo bem, me dá uma mista normal.


- Não tem mista.





- Me dá do que tiver então.

- Só que o sorvete tá mole pra ir na casquinha.

- Tá, coloca num copinho e a casquinha por cima.


- Não posso dar um copinho com uma casquinha, é um ou outro.


- Faz o seguinte, já que está mole troca o sorvete por milk-shake então.


- O milk-shake é R$11,00.


- Eu pago a diferença, você só vai fazendo aí pra mim que adianta.


- Quero pagar a diferença pra trocar uma casquinha por um milk-shake.


- Tem que tirar a comanda primeiro.


- Voltei. Preciso tirar uma comanda de R$0,50 pra trocar uma casquinha por um milk-shake.


- Zé, cancela uma nota aqui que o cliente não tá conseguindo decidir o que quer.


- Na verdade é o sorvete que está mole e...deixa pra lá.


- Aqui está a comanda nova, toma um real pra completar os R$ 11,00 do milk-shake.


- Ah, tô sem moeda de R$ 0,50...


- Esquece, pode ficar com o troco, mas me dá essa nota PELO AMOR DOS CÉUS!


- Ih, todo mundo aqui é nervosinho.


- Oi, vim pegar o milk-shake que eu queria, já está pronto?


- Era milk-shake de quê mesmo?


- De qualquer coisa, só quero ir embora daqui o mais rapidamente possível.


- Ah, você é o rapaz do sorvete...olha só, o sorvete já endureceu, tem certeza de que quer milk-shake mesmo?

Duas situações que explicam porque não existe algo bom só na teoria

Postado em 10 de abr. de 2013 / Por Marcus Vinicius 2 Comentários

Situação 1:

Você cansou de andar a pé.

A gota d'água foi quando estava parado no ponto de ônibus e viu um sujeito passar num Escort XR3 ano 87 com um adesivo que dizia "a pé você não come ninguém". Nesse momento você percebeu como a vida não está fácil, já que aparentemente até um sujeito que ainda anda num Escort com uma porta de cada cor está numa situação melhor do que a sua e resolve tomar uma atitude: vai comprar um carro ou pelo menos uma moto.

Só tem um problema: sua conta bancária no momento conta com R$ 100,00 e um sinal de negativo na frente desse valor, sem contar que já deve cinquentinha pro seu irmão por causa da saída no final de semana e ainda precisa pagar a conta do celular que está atrasada.

Mas tudo bem, basta conversar com seus pais, pedir um empréstimo, dar um papo no chefe, pegar um adiantamento do décimo-terceiro e financiar o resto em suaves 200 prestações. Só que...

Você passa a noite maquinando tudo, na sua cabeça está tudo certo, mas quando conversa com seus pais descobre, ou melhor, é lembrado por eles que ainda não pagou aquele empréstimo para fazer a viagem para a Disneylandia no ano anterior, depois seu chefe te diz que não tem como adiantar nada porque nem sabe se você estará na empresa até o final do ano e, por último, seu gerente lembra que não tem como financiar nada para quem não sai do cheque especial desde que o Orkut ainda era moda.

No final das contas você pensa: transporte coletivo é mais ecológico, sustentável, pode ser que eu coma alguém come esse papo.


Situação 2:

Que saudades da Lucinha.

Ela sim, era mulher de verdade. Te dava amor, carinho e bolo de chocolate e só agora você percebe como foi um idiota não dando a esse colosso de mulher o seu devido valor.

Além de tudo tinha belos peitos e uma bunda de fazer inveja a dançarina de programa de auditório. Usava óculos fundo de garrafa, tudo bem, e ainda que isso tenha sempre te incomodado, hoje isso dá a ela um ar de secretária safada de filme pornô que te dá a certeza: preciso me reconciliar com a Lucinha.

Por que foi mesmo que você parou de sair com ela? Ah sim, claro, por causa da Dri, que depois de te conquistar com promessas de sexo diário e biquínis de chantilly, o convenceu a vender seu carro para fazerem uma viagem à Disneylandia e assim que conheceu o Mickey resolveu te trair com um bombadão que fedia a albumina e te deixou a pé, literalmente.

Tudo certo, você vai ligar para a Lucinha, pedir desculpas, contar que ela é a mulher da sua vida e que só demorou tanto tempo para perceber isso e finalmente se declarar porque passou um tempo em coma, e depois ficou com vergonha dela não acreditar nessa história de coma, mas que de hoje em diante será dela e de mais ninguém.

Na sua teoria ela vai te perdoar, pular em cima de você, te dar um beijo demorado e perguntar se quer bolo de chocolate. Só que...

Ao atender o telefone você percebe um som de criança chorando no fundo, pergunta se ela tem um tempo para conversar e ouve como resposta algo como:

- Pode ligar mais tarde depois que eu colocar as crianças para dormir e der o jantar do meu marido?

No final das contas você percebe que talvez não vá rolar aquele bolo de chocolate da Lucinha.

Essas duas historinhas aparentemente prosaicas, mas que acontecem a todo momento nas piores e melhores famílias, servem para provar uma coisa: nem sempre nossos planos saem como achamos que vão sair.

Uma coisa é a teoria e outra é a prática e um plano só é bom se funcionar na prática.

Veja por exemplo os simpatizantes do comunismo e socialismo, todos dizem que é uma bela teoria que só não deu certo ainda na prática.

Mereciam ficar a pé e não comer ninguém. Nem bolo.

Guardanapos de pano

Postado em 3 de abr. de 2013 / Por Marcus Vinicius 1 Comentário

Um dia desses eu estava esperando o metrô quando uma cena me chamou a atenção: uma moça (bonita), em pé na plataforma com um Tupperware na mão, um garfo na outra e almoçando ali mesmo seu salpicão de frango como se estivesse num almoço de domingo.

Comeu tudo antes do trem chegar (o que no Rio não é vantagem, já que o metrô aqui funciona em intervalos de "muito tempo" em "tempo suficiente para aquele cara que acabou de sair da barbearia ficar igual os caras do ZZ Top") e ficou em pé limpando os dentes com a língua, com aquela sensação do dever cumprido, como se dissesse para si mesma "economizei meu tempo".

Cenas assim são comuns, bem, talvez não exatamente essa, que realmente extrapola, mas coisas parecidas como o sujeito que lê jornal ao volante durante um sinal fechado, o estudante comendo sanduíche andando pela calçada ou a mulher que vai se maquiando pela rua, enquanto corre para alguma reunião.

Fast-food, noites de sono de 4 horas, trabalhar na praia usando smartphone e o pior de todos, o guardanapo de papel, tudo isso são sinais dessa eterna correria em que vivemos para geralmente não sair do lugar.

Não tem como não sentir uma inveja das pessoas que viveram num mundo onde todo mundo tirava horas para almoçar e descansar depois da comida, onde oito horas de sono por noite e um bom café de manhã (nada de engolir alguma coisa enquanto procura as chaves do carro) eram sagrados, as férias duravam realmente 30 dias (sem telefonemas para te perguntarem sobre alguma planilha enquanto você está no metrô de Berlim) e, principalmente, com a presença constante dos guardanapos de pano.


Pode parecer bobagem, mas o sumiço dos guardanapos de pano, que só estão presentes ainda em alguns restaurantes que cobram por um prato de comida valores que alimentariam uma cidade da Coréia do Norte por uma semana, dão bem a noção da correria dos nossos tempos.

Antes era preciso lavar, passar e colocar os guardanapos na mesa para que fossem sujos logo em seguida. Só que não eram usados para limpar um molho barbecue de hamburguer ou dedos lambuzados de nuggets, mas como coadjuvantes de almoços tranquilos, regados a conversa e sem ninguém com a cara colada num telefone "adiantando os emails da tarde".

Agora não. Hoje em dia utilizamos para limpar a boca o mesmo material que utilizamos para limpar, bem, você sabe o que. A única diferença é a largura, a textura e o comprimento. Já pensou nisso? Eu já.

E ainda que as benesses da tecnologia sejam realmente muito legais - não discuto que assistir "Californication" numa televisão LCD é muito mais divertido do que devia ser ouvir uma novela no rádio - a verdade é que mesmo com a chegada dos smartphones, da internet, do pornô acessível a qualquer um com um netbook e das balas Skittles, o preço que pagamos por tudo isso foi grande, afinal, perdemos o nosso tempo, que ficou muito mais curto.

E, claro, os guardanapos de pano.
 
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