A casa louca

Postado em 26 de jun. de 2013 / Por Marcus Vinicius

Era uma casa, muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada. Quem não já não foi criança um dia e não lembra dessa música do grande Vinícius de Moraes?

Sua semelhança com o Brasil é tanta que o endereço da tal casa é na "Rua dos Bobos, número zero". Sei que essas metáforas comparando a administração de um país (muito complexo) à administração de uma casa de família (muito complexo, mas nem tanto) são odiadas por economistas e especialistas em geral, mas não tem problema, fica excelente como figura de linguagem.

Porque como podemos definir uma casa que entra numa reforma sem ter saído da reforma anterior? Imagine um proprietário de um belo imóvel de três quartos, dois banheiros, copa, cozinha, área de serviço, jardim, quintal e uma garagem.

Depois de um tempo (e já tendo comprado a casa em um estado não muito bom), ele separa um pedaço de seu orçamento para reformar tudo. Sai dinheiro para o banheiro, para a sala, o teto, muro.

Enquanto isso continuam chegando as contas de água, de luz, de telefone, o pagamento da diarista.

O dono da casa então convoca a família: todo mundo vai precisar contribuir para melhorar o lugar onde vivem. A esposa vai fazer hora-extra, os filhos vão diminuir a mesada, a sogra vai cortar um pedaço da pensão e até as visitas vão passar a pagar pedágio. Todo mundo de acordo, afinal, é para reformar tudo.


Mas o telefone tem dia que não funciona, a luz toda hora tem sobrecarga, o muro não protege direito e o poodle da filha vive fugindo para a rua, o telhado continua com goteiras e se a garagem é grande demais para um só carro, por que gastar dinheiro reformando essa parte da casa, se a despensa anda vazia por conta de tanta despesa?


Começa então a insatisfação. Reclamações e fofocas aqui e ali, parece que o dinheiro nunca dá para nada. Já se foi uma fortuna comprando um vaso sanitário japonês que tem até secador e vento fresco, mas o chuveiro continua sem cair água direito.

Quando a família reclama, o patriarca diz apenas que um banheiro não fica pronto da noite para o dia. Se falam do muro, ele responde que alguns vizinhos nem muro têm. Se o problema é a piscina que nunca mais foi cheia, avisa que assim é ecologicamente correto. E por aí vai.

Um belo dia o chefe da família convoca todo mundo de novo: ele sabe que as coisas não estão andando como o esperado, mas precisa de um pouco mais de sacrifício para terminar tudo. Todo mundo vai precisar contribuir mais um pouquinho.

E todos pensam: já que estou na chuva, vamos comprar uma bicicleta (deveria ser um guarda-chuvas, mas o planejamento não é o forte deles, como dá para perceber)! Abrem mão da pipoca no cinema, do amaciante de roupas e passam a usar fio dental só dia sim, dia não.

O problema é que a sala está até agora sem piso, o cachorro sumiu depois que o muro desabou e a sogra caiu na piscina vazia e ficou entalada na lama que se formava no fundo (tudo bem, essa parte não foi de todo ruim).

E nada de parte alguma ficar pronta. Passa um tempo, e novo pedido de paciência e sacrifício e assim corre o tempo naquela casa muito engraçada, deitada em berço esplêndido.

Alguém consegue imaginar uma história dessas sem um divórcio, uma chacina, uma interdição judicial ou pelo menos uma briga daquelas que entraria para a história da vizinhança e apareceria em capa de tablóide no dia seguinte?

Pois é. Assim seria o governo administrando uma casa. Assim é como o Estado trata cada demanda do cidadão. Você quer algo? Pague. Não recebeu? Pague mais e torça para receber dessa vez.

Se não receber, tudo bem, continue pagando, senão ainda te chamam de sonegador.

Por isso eu digo: no Brasil toda sonegação de imposto deveria acabar em absolvição por legítima defesa.

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