Cuidado ao ceder seu lugar

Postado em 30 de nov. de 2010 / Por Marcus Vinicius

Estou sentado no metrô e aparece um cara na minha frente de cabelos brancos, idade pra ser, sei lá, meu pai, não está caquético, mas também não é mais nenhum garotão. Todo mundo sentado, o trem sacudindo e de vez em quando dando aquelas freadas bruscas que jogam todo mundo pra frente e, durante um dos solavancos, a dúvida me assalta: ofereço meu lugar pro sujeito ou não?

Começo a analisá-lo minunciosamente. Os cabelos brancos não são a totalidade mas já podem ganhar uma eleição no primeiro turno, a pasta de couro denuncia alguém que já trabalhava na época em que ainda se usavam pastas de couro, pinta de quem foi em algum festival da canção e conheceu a "Passeata dos 100 mil" fora dos livros escolares, jornal do dia embaixo do braço (quem ainda lê o jornal da manhã de noite em casa?).

Mas por outro lado o sujeito é daqueles coroas saudáveis, sabe como é? Não tem quase barriga, nota-se que faz alguma atividade física além de colocar o lixo pra fora e levantar copos, o relógio é moderninho, o corte de cabelo é meio arrepiado estilo ditador norte-coreano, talvez até seja ex-militar.

O que fazer numa situação dessas? Se eu ofereço o lugar corro o risco de ofender o homem "tá me chamando de velho?", se não ofereço continuo a ser olhado com ares de reprovação pela gorda que está sentada no banco exatamente à minha frente.


Porque sinceramente, quem gosta de envelhecer? Não falo de se conformar, de chamar isso de "melhor idade", falo de gostar mesmo. Imagina, você tem seus cinquenta e tantos, malha todo dia, pinta algumas partes do cabelo pra continuar pelo menos grisalho, usa umas roupas mais estilosas, paga 100 reais pra bicha do salão fazer um corte mais moderninho, está de olho na mocinha bunduda que te deu umas três olhadas no metrô sem saber se ela olhou dando mole ou achando que você é um "velho tarado" e de repente um garotão levanta e oferece o lugar dele pra você sentar, te fazendo sentir como se tivesse uns 93 anos.

É até gentil, mas ainda assim te ofende. É quase como você não ter a menor noção de como programar o despertador do celular e sua sobrinha de 8 anos tomá-lo da sua mão e ajustar o alarme em exatos 27 segundos, te dizendo em seguida "pô, isso é mole, tio".

Fico sempre na dúvida se vou me levantar pra pessoa sentar e ouvir algo como "Fique sabendo que eu pego onda todo final de semana e tenho uma barriga menor do que a sua" ou então "Acha que não consigo ficar em pé num metrô? Então te desafio pra uma corrida de 10km no dia, hora e local que você escolher".

Por isso desenvolvi um coeficiente: se não parecer que vai cair no chão com um sopro, não ofereço lugar pra pessoa.

Outro perigo dessa coisa de oferecer o lugar é a "mulher grávida". Você levanta, ela senta, você educadamente pergunta pra quando é o bebê e como resposta recebe uma bolsada na cabeça e, entre choro contido e gritinhos abafados, escuta algo como:

- Seu nojento, fique sabendo que já estou de dieta, viu?

9 Comentários:

Anônimo postou 30 de novembro de 2010 às 07:54

Adorei o texto! Muito bom...

Camila Pires postou 30 de novembro de 2010 às 07:56

Concordo com seu ponto de vista, caro colega! Eu mesma já passei por uma situação assim: Levantei para dar lugar a um senhor e ele me perguntou por que motivo eu achava que ele não fosse capaz de ficar em pé... E ainda falou isso gritando!
=**

Danndara Espinheira . postou 30 de novembro de 2010 às 07:56

Realmente, é meio complicado. Mas já aconteceu comigo a história da grávida . rsrs .Fiquei meia sem graça; Mas fui educada .

Anônimo postou 30 de novembro de 2010 às 08:59

kkkkk, adorei !!
Pois é já passei por isso também, burramente ofereci meu lugar pra senhora no ônibus e ela virou-se pra mim e disse : Pode ficar não estou cansada não. Minha cara foi onde ??

Bjs

Unknown postou 30 de novembro de 2010 às 09:30

É, fica difícil saber como as pessoas reagirão. Eu já desenvolvi um outro método, como sofro de uma doença degenerativa e tem dias que mal posso parar de pé mesmo tendo SÓ 40 aninhos, analiso o aspecto de cansaço da pessoa que está de pé do meu lado e se tem muita "carga" (bolsas, sacolas, uma galinha, sei lá. No interior se vê de tudo...) e se achar que tá pior que eu, levanto e cedo o lugar, independente da idade que aparente. Quando estou mal, não cedo meu lugar nem pra grávida de 9 meses! E ignoro solenemente as caras feias. Não tenho nenhuma deficiência aparente, mas isso não significa que não tenha e se brigar comigo, vai ouvir coisas bem desagradáveis...

Unknown postou 30 de novembro de 2010 às 09:31

Coincidência ou não, trabalhei 16 anos com a Terceira Idade, estudei tudo o que pude para melhorar a vida dessas cidadãs no dia a dia, em asilo ou na Comunidade. Dei várias entrevistas em canal a cabo com Márcia Hermeto e Luiza Mello em BH, mas nunca comentei sobre o assunto que sua crônica aborda, porque sempre ofereci meu lugar no ônibus para mulheres, mas tive o mesmo sentimento que você ao não oferecer a um homem. Pensei tudo o que você analisou e, pricipalmente por eu ser mulher, como ele se sentiria em relação à sua virilidade? Bato palmas pra você, por sua sensibilidade e sensatez e gostaria de ver esta crônica em primeira página de um jornal de conceito. Parabéns, mesmo!
Meu nome Maria Angela T.N.Vieira, orientadora de idosas.

Unknown postou 30 de novembro de 2010 às 10:02

Marcus, acompanho e leio quase todas as suas crônicas: servem de higienização e alívio à mente quando estamos acostumados a ler, dia a dia, tantas e tantas notícias ruins ou mesmo textos que cansam a mente, por nao acrescentarem. Mas quanto ao tema, eu que ando de busao, conheço uma senhora de uns 65 ou 70 anos, ela nao gosta(ou nao quer parecer velha), de entrar no onibus pela porta da frente, sempre optando pagar a passagem normal, quando poderia, -e tem direito pela idade- de nao pagar...Tem esses lances mesmo de as pessoas mais velhoas ignorarem a gentileza de alguem oferecer o lugar.

Liv postou 4 de dezembro de 2010 às 10:33

Eu tenho exatamente esse problema e desenvolvi exatamente a sua regra.
Adoro seus textos. Continue me tirando do comum e me levando a pensar sobre temas diferentes.
Um abraço!

Maraguary postou 4 de dezembro de 2010 às 15:11

Eu ri! Mas não importa, se parece mais velho que eu, vai ter que sentar! Nem adianta discutir! Comigo é assim! Rsss...

 
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