O algorítimo da teledramaturgia

Postado em 11 de fev. de 2011 / Por Marcus Vinicius

Você também pode ser um autor de novelas.

Talvez não hoje, talvez isso nem ocorra realmente, mas baseado num breve olhar sobre os roteiros das novelas de TV, é possível a cada simples mortal escrevê-las sem muito esforço, basta que uma alma caridosa crie o Novela-Maker ou Noveloshop.

O nome não importa, mas um software criador de capítulos ajudaria cada um de nós a concorrer com o Manoel Carlos, o Sílvio de Abreu e até com a Glória Perez.

Entra ano, sai ano, e não cessa o desfile de clichês como a bonitona que deseja subir na vida, a mocinha boazinha que sofre mais do que biscoito de maizena em boca de velho, a coroa desgovernada que separa do marido e passa a colecionar garotões, o núcleo suburbano, as esposas ciumentas, os maridos paus-mandados, o comedor de esposas, os pobres que ficam ricos, os ricos que ficam pobres, enfim, não é difícil imaginar a composição da próxima novela quando você já assistiu uma ou duas antes dela.

O que muda basicamente são os cenários.

Você assiste uma novela e acompanha a história de vendedores de empadinha árabes que estão envolvidos numa trama de tráfico de órgãos junto com russos que dançam axé.

Em outra novela, a história gira em torno de uma família de holandeses que veio para o Brasil fugindo do nazismo mancomunados num esquema de tráfico de órgãos com hackers japoneses que tocam pagode.

E quando falta assunto, sempre se pode recorrer aos italianos. Novela de italianos é uma espécie de "ôôô" e "lá-laiá" de letra de samba: quando você não sabe mais o que colocar ali para tapar um buraco, recorre a eles.

Um programador mais descoladinho e sacana pode muito bem inventar então o tal software, onde você lança alguns dados e no final tem uma novela prontinha, bastanto para isso fazer o teste do sofá com algumas aspirantes a modelo e atriz.


Você pode inventar as situações mais absurdas do mundo, desde que sempre respeite a presença obrigatória de ricos que servem para mostrar ao telespectador como a vida dele é uma bosta, e dos pobres que o permitam saber que tem gente por aí pior do que ele.

De um vilão ou vilã onde todos os noveleiros possam exercitar seu sentido ético e odiar sem peso na consciência e, claro, de um herói ou heroína que seja uma espécie de alter-ego dos fãs.

A partir daí, gêmeos que lançam raios-laser pelos olhos e a probabilidade do seu (sua) namorado (a) ser um irmão que você não sabia da existência é maior do que pegar uma gripe serão apenas elementos para encher lingüiça (sim, a minha tem trema) e garantir o tamanho dos capítulos.

Aí, entre gêmeos que obrigatoriamente serão mais diferentes do que o Jô Soares e o Tiririca, entre pessoas que nunca trabalham mas sempre tem dinheiro, donas de casa que comem o pão que o diabo amassou mas se preocupam mesmo é se o feijão vai queimar e indianos que vivem no Brasil e comem churrasco, o sucesso é garantido.

Restará a você aparecer na revista Caras e no Faustão, sempre reforçando o bordão do momento:

- Mamma Mia! Hare Baba! Inshalá!

Arigatô.

9 Comentários:

Cíntia postou 11 de fevereiro de 2011 às 09:57

Às vezes eu acho que a Globo já encomendou esse programa!! Só isso explica tamanha repetição!
Muito bom o texto!!

Lucas de Matos postou 11 de fevereiro de 2011 às 10:32

O mais estranho dessa história é que todo mundo que assiste novela já sabe, mas não querem ver... o dia em que bons livros e filmes chegarem a população, que ainda tem de ser alfabetizada, a novela e a Rede Globo ficarão em risco iminente de esquecimento da massa.

Wilson postou 11 de fevereiro de 2011 às 11:44

Ou seja, o software Novela-Maker ou Noveloshop teria a função de fazer aquilo que é realmente difícil na composição de uma telenovela e impede que qualquer imbecil escreva uma: a montagem. Porque, por mais entupidas de clichês que sejam as tramas, personagens e diálogos, juntar isso tudo de forma a manter um fluxo que gere interesse pelo que virá depois é muito complicado. Acho que Manuel Carlos e Glória Peres estão precisando de um software desses.

mvsmotta postou 11 de fevereiro de 2011 às 12:00

Wilson,

Na verdade o software provaria como tudo isso independe de criatividade e depende mais é de disciplina e método mesmo.

Abs

Unknown postou 11 de fevereiro de 2011 às 16:07

Nada tenho a dizer sobre softwares, mas a trema foi fantástica.
Sem querer parecer tola ( o que eu não suportaria), um roteirista de cinema tem acesso a filmmaker, já prontinho pra rodar? Como é feito o uso do script?
Como ficaria no caso o filme Adaptação, dirigido e roteirizado pelo roteirista Charles Kauffman, único filme de Nicholas Cage que não fez sucesso e foi uma aula de cinema?... Aquele filme merecia, em minha não humilde opinião o Oscar de melhor filme, roteiro adaptado e melhor ator.
Enxerguei jargões, de fato, mas muito mais criatividade e sentimento para o foco principal, a razão da vida, darwiniana ou não, de nossa infinita capacidade de amar por amar.
A última novela que assisti, porque de relance senti que seria boa foi "O Clone", que achei surpreendente pelo tema e criatividade. Beijos Angela

Gustavo Ca postou 11 de fevereiro de 2011 às 16:44

Uma vez ouvi um podcast bem engraçado sobre novelas dos anos 80, parece que eram tão humorísticas, umas histórias mirabolantes, e o "politicamente correto" não atrapalhava. Deu até vontade de ter visto umas. O contexto tbm conta, eram outros hábitos, juntar a família no horário nobre pra ver TV era um evento. Hoje só ver uma chamada de alguma novela nos comerciais já é um porre.

Gil postou 11 de fevereiro de 2011 às 17:41

Oi Marcus, gostaria de fazer uma pergunta( sem maldade)...por que na sua linguiça tem trema? Você não concorda com as mudanças ortográficas ou é apenas brincadeira? Fiquei curiosa...rsrsrs. Bjsss!

mvsmotta postou 11 de fevereiro de 2011 às 18:08

Gil,

Sou contrário a este empobrecimento da língua em nome de uma unidade fajuta.

Bjs!

Unknown postou 12 de fevereiro de 2011 às 20:07

Gostei da ênfase na frase : "O que muda basicamente são os cenários." pra mim ela resume o que são as novelas...hehe
Sempre muito bons teus textos aqui!!

 
Template Contra a Correnteza ® - Design por Vitor Leite Camilo