Certa vez ouvi um colega de faculdade, branco e filho de juiz, dizendo assim:
- Essa classe média pseudo-européia tem que se foder muito, porque na hora em que o oprimido resolver tomar conta de tudo, vai todo mundo pro paredão!
Eu olhava para a boca do sujeito falando isso, olhava para a blusa da Calvin Klein no peito dele, o Swatch no pulso e o iPhone no bolso e pensava "algum encosto de Sierra Maestra baixou nesse moleque, não é possível".
Mas é. A esquerda leite com pêra do Brasil (queria falar da América Latina, mas tenho a sorte de não conhecer seus países tão a fundo a ponto de descobrir que o revolucionário Big Mac também existe por lá) é portadora de uma profunda e praticamente incurável esquizofrenia cognitiva.
Não é que o que ele diz vá de encontro ao que ele pratica na vida, isso já é esperado, o que acontece é pior: ele consegue dizer uma coisa e depois falar outra completamente desconectada do que disse primeiro, dependendo de quem seja o alvo da sua fúria.
Por exemplo, aquele artista engajado que recebe salário de ator de novela e adora contar na Caras o que comprou, pra onde viajou e quanto gastou, mas que passa as madrugadas no Twitter xingando a imprensa golpista, a mídia, a Globo.
E assim como ele, tantos outros. Se você der uma passeadinha por aí vai ouvir de tudo, de todo tipo de gente "progressista" e "coerente".
Do cara que se diz revolucionário e contra o sistema, mas que sai até na porrada numa festa de batizado se alguém falar mal do governo:
- Chupa reaça! Deixa de ser conservador, cara, esquece isso. Você vai ter que engolir, o PT está há dez anos no poder e tem que ficar mais uns vinte!
Da mocinha do "bem", vegetariana e doadora da WWF, que acha um horror aquela churrascaria rodízio, afinal, animais são amigos e não comida:
- Tomara que o desgraçado que atropelou esse cachorro para não bater de cara num poste seja morto junto com a família inteira num acidente numa roda gigante.
Do estudante de Sociologia, diz que "gosta de pessoas", apoia a poligamia e é ativista xiita da passeata gay:
- Detesto preconceituoso. Tomara que o filho daquele pastor seja gay, hahaha vou zoar muito.
Da feminista que lê Karl Marx, acha as propagandas de cerveja um absurdo e dá um piti e se acha "coisificada" quando recebe uma cantada de algum bêbado na rua (porque né, sovaco cabeludo só bêbado):
- Mulheres devem ter direitos iguais, não é possível que esses "mascus" (N. da T.: apelido pejorativo dado a homens que não apoiam o feminismo) filhos das putas não aprendam o lugar deles, sociedade machista de bosta, vê essas amélias, tinham que passar o resto da vida lavando cueca e sendo cornas.
Do barbudinho que milita no DCE, adora um forró pé-de-serra e qualquer outra coisa "de raiz", curte fumar um baseado e detesta a polícia, mesmo que ela apareça para salvar uma velhinha de 90 anos de um estupro coletivo praticado por esquilos:
- Polícia é tudo fascista. Polícia lembra ditadura, cara, e a ditadura foi atroz. Não sei como alguém ainda pode ser de direita e gostar de polícia depois daquilo. Merece ser colocado num pau de arara e levar uma coça.
Dos ecologistas que te olham torto porque você pegou mais de duas folhas de papel para enxugar a mão ou então porque dá mais do que uma descarga no banheiro de casa por semana:
- Minha gente, vamos nos conscientizar! Os recursos da Terra vão acabar! Acho que precisamos urgentemente organizar um show de rock que gaste vários quilowatts de energia para protestar contra isso!
E finalmente, o defensor da democracia, da igualdade, da livre expressão, desde que você não seja um escroto, babaca e ignorante que precisa ler mais e parar de discordar das opiniões dele:
- Precisamos defender Cuba (mesmo governo há 54 anos) e a Venezuela (mesmo governo há 15 anos) contra a ditadura estadunidense (eleições regulares de 4 em 4 anos)!
Só posso concluir que o maior perigo que corremos debatendo qualquer coisa com esse pessoal é deles um dia concordarem com a gente.
2 Comentários:
Perfeito! Gosto desse senso apurado e cômico com que você retrata esses vômitos alheios do dia a dia.
Eu já desisti, e já faz algum tempo.
Um bando de babacas, bobalhões quem vão para a Europa quando a brincadeirinha fica sem graça.
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