Brasileiro é apaixonado por carro (e todo apaixonado é idiota)

Postado em 9 de nov. de 2010 / Por Marcus Vinicius

Uma coisa que nunca mais esqueci foi quando conheci os EUA e observei a relação dos americanos com seus automóveis. Não é que eles não gostem, pelo contrário, eles adoram motores potentes (e que gastam muito) e todo o conforto que o dinheiro puder comprar, mas não tratam seus carros como se fossem um símbolo de status ou um membro da família.

Lembro de uma Pajero que vi com uma das lanternas quebradas. Como não é permitido andar sem aquela parte de acrílico vermelha, o sujeito dono do carro colou ali um plástico vermelho, que fazia as vezes da parte quebrada. Esteticamente não era a coisa mais linda do mundo, mas como era o que bastava para que ele andasse legalmente, foi o que ele fez.

Aí imaginei um brasileiro dono de uma Pajero com a lanterna quebrada. Provavelmente ele não dormiria, não comeria e só respiraria por obrigação até que pudesse ir numa oficina consertar aquilo. Pagaria o preço de meio carro numa lanterna e como já estava lá mesmo colocaria um enfeite no para-choque, faria o sexto polimento em seis meses e arranjaria alguém para trocar as fraldas do seu carro.

O brasileiro enxerga o automóvel - qualquer automóvel - como uma forma de dizer para os outros "cheguei lá", ainda que um Chevette, um Fusca ou uma Kombi denunciem que esse "lá" pode ser, no máximo, o Piscinão de Ramos.

Não quero bancar o blasé aqui, mesmo porque eu cuido do meu carro com carinho porque sei o quanto ele me custou, mas não tenho ilusões de "tirar onda" com ninguém por causa dele. Uma das melhores coisas do sucesso é poder esfregá-lo na cara dos outros, e causar inveja alheia é bom, ainda que digam o contrário, mas só consigo imaginar alguém fazendo uma projeção de sucesso em um automóvel que custe, pelo menos, o preço de um bom apartamento.

Tirando isso, são todos meios de transporte. Ou melhor, quase todos.


Porque eu já tive carro velho e posso garantir: melhor ir de ônibus, metrô ou charrete, pois a chance de ficar a pé no meio da rua por conta de uma bobina que esquentou, um platinado que deu defeito ou qualquer coisa que caiu no meio do caminho é bem menor.

Mas o que dizer desses carros velhos totalmente equipados com faróis de milha, capas de banco com bolinhas de madeira, câmbio com um siri acrilizado, vidros filmados, tapetes de alumínio, canos de desgarga barulhentos e a cara de pau de trazer no vidro um adesivo escrito "Não me inveje, trabalhe!"?

Ou então aquele sujeito que divide o aluguel de um quarto e sala com meia dúzia, come pão com mariola no jantar, pede dinheiro emprestado até para o porteiro do prédio, mas anda num reluzente Honda que está sendo pago com um rim e mais 98 suaves prestações?

Nos EUA - no resto do mundo não sei, mas provavelmente deva ser parecido - um automóvel usado é tão barato que até um caixa do Mc Donald´s pode andar de BMW. As pessoas compram seus veículos pensando em suas necessidades, no uso que farão dele e em como estes poderão servi-los melhor.

Se for um cara que trabalha com jardinagem, vai ser uma pick-up, se for uma esposa cheia de filhos, uma mini-van, se for um moleque solteiro, qualquer coisa serve.

No Brasil não, aqui é possível conhecer um sujeito que mora nos Jardins em São Paulo e considera qualquer coisa além de Taboão da Serra como roça possuindo um Jipe 4x4, com pneus off road, guincho e o escambau, talvez para o dia que ele resolver fazer um rally no Ibirapuera, entre outras maluquices que os ditos "apaixonados por carro" são capazes de fazer.

Falando em maluquice, o que dizer de um sujeito que mora no Rio de Janeiro - temperatura média anual de uns 90º com sensação térmica da ante-sala do inferno - mas prefere comprar um zero sem ar-condicionado do que um usado com ar, só para dizer pra todo mundo "meu carro é zero!"? Aliás, o que dizer de um país quente como uma cloaca e que vende ar-condicionado como opcional?

O fato é que nossa relação com automóveis não é nada sadia. Talvez por sermos um país pobre - que os marqueteiros do governo não leiam isso, pois podem desmaiar de susto - e tudo ser conquistado na base da dificuldade e dos impostos leoninos - pense que nos EUA um bom usado custa no máximo 3 mil dólares enquanto aqui custa o equivalente a uns 7 ou 8 mil dólares - alguns brasileiros acabam tratando seu carro melhor do que cachorro de madame.

Mas no final das contas sabe de quem é a culpa? Das Marias-Gasolina. Nada me tira isso da cabeça desde que vi um Escort XR3 equipado com rodas de liga leve, capô cromado, aerofólio traseiro, spoilers laterais, muita ferrugem e um adesivo: a pé você não come ninguém.

6 Comentários:

Ismaias postou 9 de novembro de 2010 às 06:03

Muito bom o texto, hoje em dia é assim só namora quem tem carro, pode ser o cara mais feio do mundo mais tendo carro é o que basta para as mulheres, eu que ''ainda'' ñ tenho carro que o diga.

LuciaStedile postou 9 de novembro de 2010 às 06:24

é verdade, mas é pé já é possivel....rsrs Brincadeiras a parte, ouvi um psicologo desses da vida dizendo numa entrevista que, para o brasileiro, carro é uma extensão do pênis. No que pese o exagero da afirmação, sou forçada a concordar. Os donos de Pajeros e similares, por exemplo, se portam de modo diferente no transito como se fossem donos da ruas, não respeitando os demais. Ate msm quando estacionam. Carro pra mim é só um facilitador de vida, um meio de transporte, nada mais. Não pode quebrar e deixar a gente na mão, mas nunca tive carro zero nem sofisticado. Sempre tive bons seminovos, pq meu suado dinheiro, prefiro gastar com viagens maravilhosas por esse lindo mundo de deus. Já as marias gasolinas, sao como marias chuteiras e congeneres: fauna brazuca que, pra comer, tem sim, que ter carrão!!!!

Unknown postou 9 de novembro de 2010 às 06:42

Sem falar nos idiotas que consideram o carro como uma extensão do pênis que nesses casos deve ser mesmo tão pequenininho que precise de extensão, assim como o cérebro. Os homens principalmente, por causa dessa máxima de que a pé não comem ninguém, fazem as coisas mais imbecis do mundo só para se exibirem com os seus "possantes".
Mas exageros à parte, tenho um vizinho que tem um fusquinha branco, bem ajeitadinho até e sem exageros, que tem no vidro traseiro um adesivo que diz: "É velho, mas tá pago."

Anônimo postou 9 de novembro de 2010 às 08:25

Hahahaha muito bom !
É isso ai ... Capaz do cabra deixar de comer pra não sujar o banco do carro.

Parabéns !!

Abraços !

Luiz Fernando postou 9 de novembro de 2010 às 09:28

Não é nem questão de ser apaixonado pelo carro. Brasileiro, em sua maioria, encara o carro como uma prova de status social.

Você não pode ser considerado bem sucedido na vida se ainda não comprou seu Honda Civic (ou qualquer outro sedan que custe mais de 60 mil) zero, mesmo que você ainda vá ficar mais 4 anos pagando por ele.

Bruno Cruz postou 9 de novembro de 2010 às 10:11

Trabalho na oficina do meu pai, e posso confirmar cada palavra do que foi dito aqui. Não é nada incomum pegarmos carros velhos, caindo aos pedaços, que provavelmente nem o ferro-velho aceitaria mais, de tão acabados que estão. Carros que só não deixam o motorista a pé porque ele sempre carrega uma bicicleta no porta-malas para casos de emergência. Por que não anda de bicicleta logo de uma vez, em vez de ficar gastando salários e mais salários no conserto do carro?

Outra coisa que os motoristas adoram é inventar moda. Às vezes pegamos uns modelos antigos aqui pra reformar, e as coisas que os donos nos pedem são de doer. O dono de um Fusca, por exemplo, quis colocar a luz de seta dentro do farol. Isso mesmo, dentro do farol. Isso é o tipo de coisa que só acontece no Brasil mesmo...

 
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