Democracia das bananas

Postado em 8 de nov. de 2010 / Por Marcus Vinicius

Duas passagens do noticiário recente chamaram muito a minha atenção, tanto pelo surrealismo histérico da coisa, quanto pela forma como escancara o que o Brasil está se tornando em nome de uma "igualdade" que é desejável, porém que não deve servir para produzir distorções comportamentais em uma sociedade.

O Brasil é hoje cada vez mais uma democracia das bananas.

Antes de começar, deixe-me esclarecer que não acho que nenhuma raça, etnia ou grupo regional é naturalmente superior ou inferior ao outro. Não existe branco superior, judeu inferior, negro sub-desenvolvido, amarelo super-dotado só pelo fato destas pessoas serem brancas, judias, negras ou amarelas. O que diferencia um indivíduo do outro é sua formação, as oportunidades que teve, seu caráter, a sociedade em que se desenvolveu.

Dito isto - e certamente qualquer pessoa que tenha um mínimo de razoabilidade entende e concorda com isso - vou seguir para a parte que realmente pode ser polêmica, mas que precisa ser dita.

Uma estudante paulista disse no Twitter que "não gosta de nordestinos". Junto a isso também disse que estes mereciam ser "mortos". Na segunda parte, sim, existe um crime (ou talvez um comportamento moralmente reprovável) porque é impossível incitar agressões a quem quer que seja - judeus, nordestinos, pretos, brancos e até mesmo adversários do PT - e ser civilizado ao mesmo tempo.

Mas na primeira parte, onde ela diz - não exatamente com essas palavras - "não gostar de nordestinos", não existe crime. Ninguém é obrigado a gostar de ninguém e nenhuma democracia que não seja neurótica e incoerente pode obrigar um cidadão a engolir esse tipo de opinião em nome de uma suposta "igualdade" ou mesmo "pluralidade".

Não existe pluralidade onde existe supressão da liberdade, ainda que seja apenas a de opinião.

Ninguém pode proibir um preto, um branco, um verde de entrar pela porta social de um prédio baseado na cor da sua pele. Ninguém pode achar normal que se mate, prenda ou persiga pessoas por estas serem judias, católicas, protestantes ou muçulmanas.

Não entro no mérito disso ser agradável, "bonito" ou não, mas todos, repito, todos tem o direito de dizer que não gostam de pretos, brancos, verdes, judeus, católicos, protestantes e muçulmanos sem por isso serem alvo de perseguição pelo estado, pelas entidades sociais, pela imprensa e por qualquer outra pessoa.

Qualquer um deve ter o direito de dizer que não gosta de paulistas, que acha nordestinos feios, cariocas vagabundos, gaúchos arrogantes e o que mais bem entender sem que nada aconteça. Isso é uma opinião, isso é um sentimento pessoal - errado ou não - e não cabe à sociedade, ainda mais na forma de leis equivocadas, agir sobre esse direito.

Temos essa obsessão pela "unanimidade", obrigando o indivíduo a pensar - ou pelo menos fingir que pensa - igual à manada.


Opiniões patéticas são desprezadas, são alvo de escárnio, são desconsideradas, mas jamais devem ser tratadas como crime. Veja o caso ridículo de "nazistas americanos". Um país que lutou - e foi um dos maiores responsáveis pela derrota da Hitler - admite que seus cidadãos se digam "nazistas", sem que por isso parem na cadeia.

Vão para cadeia sim, se destruírem a propriedade alheia, se agredirem alguém, enfim, se cometerem crimes. De resto, recebem apenas o tratamento que um louco que se diga Napoleão recebe: a irrelevância. Para o resto, existe o código penal.

Qualquer coisa diferente disso pode ser tudo, menos democracia.

O outro evento, este ainda mais chocante, foi o caso envolvendo o livro de Monteiro Lobato "Caçadas de Pedrinho", denunciado por diversos órgãos governamentais - inclusive o MEC que para fazer censura de conteúdo é competente, mas para organizar o ENEM não é - sendo acusado de "racista", "perverso", entre outras imbecilidades por conta de trechos onde diz que "Tia Anastácia sobe numa árvore que nem uma macaca de carvão" e também “Não vai escapar ninguém – nem Tia Anastácia, que tem carne preta”.

O ministro da "Secretaria de Igualdade Racial" - coloco assim entre aspas porque esse ministério é uma aberração que não promove "igualdade racial" e sim "onguismo afro-brasileiro" - disse que o livro "fere a auto-estima dos negros".

Nem sei por onde começar dado o enorme festival de idiotices contido na história toda, mas penso que o melhor a dizer é que o negro brasileiro - esse cidadão de pele preta que descende de escravos - não é um "coitadinho" e nem um cidadão tutelável para ser tão protegido pelo estado assim.

Penso que um profissional negro, casado, com sua família e sua vida independente não tem mais ou menos problemas de auto-estima do que um branco que seja gordo, um asiático que seja careca ou um branco e um asiático que não sejam nem gordos e nem carecas. Todos são pessoas, com problemas de auto-estima mais ou menos parecidos.

O que se faz no Brasil com essas políticas equivocadas que ganharam força no governo do PT é criar no país uma tensão racial que não existia. É fato que o racismo era velado por estas bandas, mas também é fato que não existia esse ressentimento racial que vemos hoje, com estudantes brancos sentindo-se injustiçados por cotas, com estudantes negros precisando provar seu valor duas vezes, com a sociedade sendo alvo deste tipo de censura boçal que ataca até mesmo Monteiro Lobato.

Comparar um negro a um macaco é ridículo se a pessoa quiser dizer que a etnia é inferior. Mas comparar um negro subindo rapidamente numa árvore a um macaco não é. Afinal, parece mais com o que? Com um urso polar? E a parte visível da "carne da Tia Anastácia" era o que? Magenta?

Por esta lógica Machado de Assis mencionando "crioulos" em seus livros também pode ser considerado despiciendo para a formação de nossos jovens. Desse jeito, só restarão livros de auto-ajuda e o jornal da CUT para ler na escola.

Não sejamos hipócritas, não sejamos histéricos e resistamos, sim, a esta ditadura cultural e de opinião em que o Brasil está se tornando.

Porque a cada dia que passa, o ar fica mais irrespirável.

9 Comentários:

Isabel postou 8 de novembro de 2010 às 09:41

Ótimo texto!
O que tem acontecido no Brasil de um tempo pra cá é uma divisão do país entre negros e brancos e entre as regiões. Ao invés de se inibir o preconceito, coloca-se um grupo contra o outro: é perdoável falar mal de paulista (o próprio blog da Dilma chamou os paulistas de idiotas, com todas as letras), mas se vc critica nordestinos vc é preconceituoso. Se vc chama um negro de macaco ou criolo, vc pode parar na cadeia, mas as ofensas aos brancos são perdoadas, afinal, temos que compreender que no passado eles sofreram muito preconceito... Aliás, em breve não poderemos nem dizer negro, mas "afro-descendente"... É uma palhaçada. Certo estava Mandela, que ao assumir o poder, ao invés de criar um governo que se vingasse dos brancos, como queria boa parte da população negra, procurou defender a igualdade entre brancos e negros, sem rancor, pois senão os atritos entre ambos nunca acabaria. Igualdade não é defender um lado. Parece uma afirmação óbvia, mas muita gente não enxerga.
Beijos.

Anônimo postou 8 de novembro de 2010 às 10:17

Texto totalmente perfeito. De novo.

Yto postou 8 de novembro de 2010 às 10:22

Quanto ao Monteiro Lobato, a melhor frase que eu ouvi foi da curadora do Museu do próprio em Taubaté sobre o ministro da "Secretaria de Igualdade Racial" e a polêmica toda:
Nóis somo JECA mas não somo BURRO.

NANCY postou 8 de novembro de 2010 às 10:25

Oi Marcus! Excelente texto! Acrescento ainda à sua crítica, a polêmica que vc citou em relação aos livros do Monteiro Lobato. Dizer que o Ministério da Educação quer colocar um "selo" nas capas das publicações do Sítio, porque algumas citações em relação à Tia Anastácia, ao Tio Barnabé "ofenderiam" a raça negra me parece o cúmulo do absurdo... Gostei do comentário acima, da amiga Isabel que citou Mandela. Fica a sugestão do filme "INVICTUS", com Morgan Freeman no papel de Mandela... Tá cheio de gente por aí precisando se "culturalizar"!!!!!

Unknown postou 8 de novembro de 2010 às 10:33

Dizer que o texto é ótimo é chover no molhado. Você é de uma lucidez invejável ao narrar estes acontecimentos, que ouvi falar, mas por achar tão idiota a situação, não procurei me inteirar mais no assunto. Achei que era coisa de quem não tinha mais o que fazer. Mas estou vendo que me equivoquei e vou prestar mais atenção em fatos semelhantes de agora em diante, pois estamos virando mesmo um país onde teóricamente não existe rascismo, mas que a cada dia que passa sofre mais com a tensão entre os diferentes.

Abraços

Bruno Cruz postou 8 de novembro de 2010 às 10:44

É, se a coisa continuar assim vamos ter que passar a chamar o Neguinho da Beija-Flor de Afro-descendentezinho da Beija-Flor!
Pra mim, essas pessoas que vêem racismo em todo lugar são um bando de paranóicas. Precisam de um tratamento especial, sim, mas psiquiátrico. Aposto que se fosse Dona Benta subindo na árvore, e Lobato a tivesse descrito como uma "macaca", ninguém estaria nem aí. Era capaz até, se um branco reclamasse, de dizerem que ele estava sendo intolerante com a própria raça!

Maraguary postou 8 de novembro de 2010 às 14:39

Coisas de nosso Brasil brasileiro, que apesar de toda a inegável miscigenação racial ainda sustenta a hipocrisia! Coisas de um Brasil hipoteticamente democrático que ainda obriga os jovens a servirem às forçar armadas, que ainda obriga os cidadãos a votarem... que obriga, que obriga... Brasil de democracia fingida... Aqui o povo - ainda, por enquanto - fala o que quer e faz o que mandam!!! E no fim é fevereiro e vamos ao carnaval, rebolar as bundas desnudas como se nada estivesse fora do contexto. Ehhh, Brasil! Ehhh, brasileiros!!!

Ju Whately postou 8 de novembro de 2010 às 17:19

Perfeito como sempre! Uma pena que aqui não tenhamos DE FATO a liberdade de expressão.

Agora, o que mais me surpreendeu aqui é que ainda não apareceu nenhum coitadinho pertencente a uma minoria desfavorecida e blablabla zzzzzzzzz

Anônimo postou 9 de novembro de 2010 às 07:59

O Brasil é uma grande falácia. Hipocricia é a palavra de ordem. Seu texto é muito pertinente. Provalvelmente as coisas só tendem a piorar enquanto essa visão preconceituosa principalmente dos negros existir.

Parabéns !
Abraço !


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