Carnavalescamente Incorreto

Postado em 11 de mar. de 2011 / Por Marcus Vinicius

Houve um tempo em que as pessoas chamavam a maioria das coisas pelo nome delas. Parece uma redundância, não é? Nem tanto, afinal, o politicamente correto veio aí para mudar essa coisa chata de simplificar.

Pensei nisso durante esse último Carnaval, quando o rádio de um ônibus em que eu andava começou a tocar uns velhos sambas do Rio de Janeiro e, entre eles, um da Beija Flor que dizia assim "Vem loirinha, vem sambar, hoje o crioulo só quer Michel Jackiar...".

Imaginei o problema que não seria fazer e cantar uma letra assim atualmente. "Crioulo"? Provavelmente o Ministério Público junto com a Secretaria da Igualdade Racial, a Comissão dos Oprimidos e a Frente Popular para a Maioria das Minorias tentariam censurar a música e prender o autor, ainda que o mesmo também fosse "crioulo".

A imprensa faria um certo estardalhaço, o presidente da OAB daria sua opinião, a coisa viraria Trending Topic no Twitter e depois da reportagem no Fantástico e da enquete no G1, encontraria-se um meio termo e o samba seria adaptado para algo como "Vem, loirinha, vem participar desta dança folclórica e étnica, porque hoje o afro-descendente só quer bailar ao som de artistas estadunidenses".

E no meu exercício de imaginação sobre o onanismo (leia-se punheta) politicamente correto, pensei numa série de letras de marchinhas de carnavalescas que causariam verdadeiro pavor nos nossos Comissários da Verdade e Promotores da Igualdade.

Comecei com uma das mais famosas de todas "Allah-lá-ô, ô ô ô ô ô ô mas que calor, ô ô ô ô ô ô", imaginem melindrar a comunidade islâmica associando o nome de Alá a uma festa profana? Não ia poder. Talvez pedissem para trocar Alá por Aladim.

Em "Você pensa que cachaça é água", há um trecho onde o autor fala que pode lhe faltar tudo, até "arroz, feijão e pão" e só não pode faltar a "danada da cachaça" .

Certamente isso seria considerado um estímulo ao alcoolismo e o Ministério Público ainda investigaria possível propaganda subliminar da Caninha 51.

"Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é? Será que ele é?" e todos respondem em coro "Bicha!", é uma das marchinhas com mais possibilidades de dar zebra se fosse feita hoje em dia. Primeiro, claro, por causa da nova mãe de todas as batalhas dos coitadistas, esquerdóides e politicamente corretos que é a tal "homofobia".


Homofobia é o termo cunhado para taxar qualquer um que se incomode mesmo com os excessos. Você pode ser uma pessoa tolerante, não ter nada contra homossexuais, ter amigos gays, ser a favor da união civil, o escambau, mas se ver um casal de viados se pegando num restaurante e disser algo diferente de um "por favor, poderiam não ejacular na minha maionese, por gentileza?", pronto, será considerado homofóbico.

E essa marchinha seria declarada asquerosamente homofóbica, sendo recomendada a sua censura "pelo bem da democracia". Depois tem o termo "bicha", que seria inaceitável. O povão teria que berrar em uníssono "Será que ele é? Será que ele é? Homoafetivo!".

Outra música que com certeza enfrentaria resistências seria "O teu cabelo não nega". Pra começar porque fala de cor da pele e esse pessoal é meio sensível a estas questões. Eles só não querem que o mundo inteiro seja transparente porque aí todo mundo descobriria que o conteúdo dos seus intestinos é bem semelhante ao que eles têm na cabeça.

E Lamartine Babo dizendo que "O teu cabelo não nega mulata, porque és mulata na cor, mas como a cor não pega mulata, mulata eu quero o teu amor" seria ao mesmo tempo um exercício de racismo e de objetificação da mulher brasileira.

Objetificação aliás é o que mais essas marchinhas faziam, veja a "Mulata Bossanova" e até mesmo a Colombina, disputada a tapa entre o Pierrot e o Arlequim.

O fato é que atualmente seria complicado fazer marchinhas irônicas, apimentadas, engraçadas e sem amarras no linguajar e na forma de se expressar, porque vivemos num mundo neurótico.

Culpa do politicamente correto, essa gaiola das loucas.

Mas o pensamento que mais me divertiu foi imaginar um bando de deputados vestidos de presidiários com uma letra "M" bordada no peito. "M" de mensaleiro. "M" de metralha". Todos cantando a plenos pulmões:

"Ei, você aí, me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí".

5 Comentários:

Julie postou 11 de março de 2011 às 08:57

Parabéns,admiro seus posts,e concordo em gênero e número! :]

Bruno Cruz postou 11 de março de 2011 às 09:30

Fazia tempo que eu não entrava aqui, e agora sou obrigado a lhe parabenizar (mais uma vez) pelo excelente post! Só ainda não entendi como não forçaram o Neguinho da Beija-Flor a mudar de nome pra Afro-descendentezinho da Beija-Flor.

Ozzy Luar postou 11 de março de 2011 às 09:41

O que dizer depois disso??

Sensacional! Você expressou a verdade em que vivemos.

Parabéns.

mvsmotta postou 11 de março de 2011 às 10:02

Bruno,

Isso realmente é incrível.Rsrsrs

Abs

Unknown postou 12 de março de 2011 às 11:39

Meu querido cronista, que escreve textos maravilhosos e ousados, parabéns e nada a declarar, porque você falou tudo!
Adorei e o "M" foi sensacional, deixando-nos livres para mais adjetivos... como mother fuckers e outros mais.
Valeu pelo Carnaval, que não existe mais como antigamente.
Beijos Maria Angela

 
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