Um copo meio cheio de amor

Postado em 21 de mar. de 2011 / Por Marcus Vinicius

Ando muito pela rua, muito mesmo.

Faço deslocamentos diários usando o metrô, costumo ir tomar meu café num shopping e também gosto de andar por aí a esmo, passando assim muito tempo a observar as pessoas, tentando adivinhar o que cada rosto que passa por mim diz, naqueles breves segundos de encontro.

Sim, porque, por mais clichê que pareça (e realmente é), cada um que passa por nós na rua é uma história que se vai. Um livro que fica na prateleira, não lido, com coisas que jamais conheceremos.

Pode ser que um "Romeu e Julieta" cruze por você qualquer dia, ou talvez, quem sabe (e com sorte?), uma "Engraçadinha". Os de auto-ajuda que ainda não foram pro hospício, estão fazendo análise, por isso não se preocupe.

Mas voltando ao assunto, se observarmos atentamente, veremos que a idade, a juventude, a inocência, o amadurecimento, enfim, os fatos da nossa própria vida sempre passeiam bem na nossa frente, como que para nos mostrar que ainda que sejamos únicos, temos muito em comum.

Sempre me detenho nos casais, talvez por serem a parte mais interessante da vida. Romancistas, novelistas, poetas, músicos, todos fizeram a vida e a fama justamente porque as pessoas amam casais.

Seja para ler sobre eles, ouvir, observar ou simplesmente fazer parte de um.

Histórias sobre casais garantiram o leite dos filhos, as doses de whisky e as sessões de psicoterapia de muita gente por aí.

Cenas de ciúme, discussões, beijos ardentes, amores "pra toda vida", tudo se relativiza e fica dimensionado de forma diferente quando olhamos de fora. O melhor exemplo disso é o misto de inveja, admiração e pena que eu sinto quando vejo um casalzinho de 15, 16, 17 anos jurando "amor eterno".

Sei o que os espera.

Vivemos tão obcecados pelos detalhes, que acabamos por passar batidos pelas coisas que realmente importam. Pequenas manias, pequenos ou grandes defeitos, coisas que nos "incomodam" e nos colocam em questionamento.


Aquela mania dela falar durante o filme, o fato dele ser obcecado por video-games, o tempo que cada um demora no banheiro, as toalhas molhadas em cima da cama, as coisas fora do lugar, as coisas muito no lugar, cada pessoa tem suas manias, seus defeitos de fabricação.

Quem nunca ouviu que "só trocamos os defeitos"?

Quem vê um casal de longe, mãos dadas, beijos carinhosos, não sabe se eles estavam brigando de manhã e nem tem idéia da carga que ambos carregam e que só o convívio deposita em seus ombros.

Alegrias, rancores, mágoas, planos, vontades, frustrações, aspirações, nada disso importa para quem vê de fora um casal conversando, sorrindo e até mesmo brigando. A dimensão é a exata do que o observador enxerga.

Talvez devessemos pensar um pouco assim quando estamos "dentro". Alguém que nos faça sorrir, que nos faça pensar, que nos faça planejar, que nos faça gozar, que nos faça falta, é alguém importante.

Quem nunca se arrependeu depois, ou que nunca se vingou por conta do famigerado "não dar o devido valor"? Isso tudo é bobagem, permita-me dizer.

O sofrimento do outro não purga o nosso, "ter razão" não nos faz feliz, ainda que seja melhor ser feliz tendo razão.

Isso não quer dizer que devamos "aturar tudo", mas que devemos talvez enxergar tudo aquilo que não fomos obrigados a aturar.

Ao invés dos ciúmes, das cobranças, dos roncos, das olhadas para o lado, talvez seja mais importante detectar os sorrisos, os planos em comum, os olhares que quando não estão se cruzando, olham para a mesma direção.

Porque uma pessoa não substitui a outra, uma pessoa substitui um vazio, e ninguém, ninguém, é capaz de encher um amor sozinho.

12 Comentários:

Mariana Terra postou 21 de março de 2011 às 03:10

Gostei da analogia "pessoa na rua é um livro na prateleira"! Talvez agora eu faça este exercício também... enxergar livros nas pessoas!
Mas como disse Clarice, para ser "inutilmente sincera", me surpreendi com seu texto nesta 1ª manhã de outono! Sempre espero ironias, humor negro, mal-humor, acidez... e me deparo com elogios a casais de 17 anos?! No mínimo, curioso...
Mas gostei do texto. De fato, é muito difícil não olhar (e só olhar) para os defeitos da pessoa amada. Bom texto, boas considerações para esta manhã fria paulistana!

Unknown postou 21 de março de 2011 às 05:40

"e ninguém, ninguém, é capaz de encher um amor sozinho." gostei gostei. ótimo texto

Marcinhaaaa . postou 21 de março de 2011 às 05:43

Verdade verdadeira.

Che.r.ry postou 21 de março de 2011 às 05:54

é, ninguém realmente sabe como é "viver" aquele outro casal que passa... devíamos parar de nos iludir ao vê-lo passar pela rua. deixar de idealizar o amor... porque nada é como em filmes de romance, perfeitinho. eu bem sei :D

Adorei o texto! ;)

Monalise Nogueira postou 21 de março de 2011 às 09:17

Acompanho teu blog desde que começou a me seguir via Twitter. Gosto da forma que escreve, por isso venho aqui para ler.
Eu também faço esse exercício, mas prefiro ficar imaginando o que as pessoas vão fazer hoje. Tipo... esse tá com cara de que vai fazer exame"... rs
Muito legal.

Ana postou 21 de março de 2011 às 09:59

Já imaginei muita coisa andando e observando...
adorei o texto!

Unknown postou 21 de março de 2011 às 10:18

Quando segui o link do twitter até aqui, não era esse texto que eu esperava xD

Mas tudo o que foi mencionado é verdade, ainda que óbvia, e que como toda outra verdade, é ignorada.

Unknown postou 21 de março de 2011 às 10:41

Querido marcus,
Este foi sem dúvida o mais apaixonante texto que li, de sua autoria.Magnífico, com expressões maravilhosas e um sentimento avassalador, coisa que eu, leitora e "telespectadora", adorei sentir novamente.
Só posso dizer que um casal nos traz sentimentos lindos, mas um escritor como você, nos arrasa literalmente.
Bravo!!!
Beijos maria Angela

Unknown postou 21 de março de 2011 às 17:27

Marcus, adorei o texto, inteligente e sensível como sempre, romântico e melancólico como nunca. Arriscaria até um palpite de que vc anda pensando seriamente em deixar essa vida de solteirão convicto e se amarrar...


Beijos

soldadonofront postou 22 de março de 2011 às 17:52

..passei por aqui...

Anônimo postou 22 de março de 2011 às 18:25

Marcus, como sempre seus textos retratam a realidade, a verdade nua e crua.
Observar nos faz refletir, olhar para si, comparar.
O amor é um copo meio cheio que voce completa aos poucos com o dia-a-dia, com as pequenas coisas, mas que nunca está plenamente cheio, pois sempre há o que aprender consigo e com o outro.
Parabéns!

Pαola Victória postou 22 de março de 2011 às 18:31

Por estar no "love" acho esse texto muito lindo.

 
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