Caso Nardoni: um país de peritos

Postado em 26 de mar. de 2010 / Por Marcus Vinicius

Escrevo esse post talvez horas, talvez dias antes de ser proferida a sentença do júri popular do "Caso Isabella". Se o pai da menina e sua madrasta serão absolvidos ou condenados, ainda não sei, mas seja qual for o desfecho desse julgamento, uma coisa é certa: eu fico grato que este espetáculo nauseante esteja próximo do seu fim.

Dizem que todo brasileiro é um técnico de futebol. Depende, depende muito. Se uma Olimpíada estiver em andamento, é possível que cada brasileiro torne-se um especialista em ginástica olímpica e seus duplos twists carpados. Como a história da vez é o julgamento do casal Nardoni, que muito propriamente observado pelo blogueiro Gravataí Merengue somente rivaliza em atenção e em comportamento do "povo" com o BBB, cada brasileiro tornou-se um jurado e, mais ainda, um perito criminal.

Assisto horrorizado aquela multidão de desocupados na frente do Fórum de Santana com a certeza de que o Brasil é um país praticamente incorrigível. Somos uma nação composta de pessoas que possuem verdadeira obsessão pela fuga da realidade.

Acreditamos que ir às ruas para exigir o impeachment de um único político, como ocorreu com Fernando Collor, iria redimir séculos de corrupção, ineficiência estatal e descaso. E depois de um tempo, até elle já voltou à ativa.

Achamos que comentar no botequim ou num salão de beleza a nova "campanha social" estimulada por alguma novela é um ato de cidadania corajoso e determinante.

Acreditamos poder redimir uma consciência coletiva vira-lata votando nos paredões do BBB. "Vamos tirar aquele mau-caráter" grita alguém no momento de um paredão. Não tem um que, lembrando o mestre Nelson, não tenha o impulso de olhar por sobre o ombo quando ouve o "mau-caráter".

Aí quando percebe que o dedo apontado não era para si, lá vai o feliz brasileiro apontar o seu para os outros.

Esse Caso Nardoni é um bom exemplo disto. Vejam, não estou dizendo aqui que eles são culpados e muito menos que são inocentes, não entrarei nesse mérito espinhoso que nem peritos de verdade conseguem determinar com certeza. Vou falar do que posso.

E o que vejo são "populares" fazendo escândalo na porta do Fórum, todo mundo ali limpando seus pecados na pia batismal da catarse coletiva, junto com os histéricos na internet.

Um experiente perito classificou as afirmações da polícia e do Instituto de Criminalística como "hollywoodianas", dizendo ser impossível baseado numa marca de tela em uma camiseta determinar que a pessoa "carregava um peso de mais ou menos 25kg". Disse ainda que a tal camiseta só foi colhida 9 dias depois do crime, por falha da investigação, e que "prova tardia não condena ninguém em lugar nenhum".

Só isso, e o comportamento no mínimo midiático do promotor do caso, já seriam suficientes para deixar qualquer pessoa preocupada devido a forma com a qual o processo foi conduzido. Repito: não sei se são inocentes, mas baseado no que foi apresentado até aqui, também não sei se são realmente culpados.

E já que é pra ser hollywoodiano, onde há uma "dúvida razoável", não deve haver condenação, não é mesmo? Porque o tal clamor popular para mim nesse caso vale tanto quanto latidos de uma matilha de cães sarnentos ou, figura mais apropriada para este caso, como zurros.

Qualquer pessoa que possua polegares opositores e cérebro funcional deveria se alarmar com isso. Deveria imaginar-se nesta mesma situação. Sendo acusada de algo por uma polícia que se não é totalmente corrupta, também não é totalmente confiável e tendo contra si a torrente de imbecis que sempre se une para "clamar" coisas no Brasil, para usar casos isolados como desencargo da falida consciência nacional.

Ninguém vê multidões e nem mesmo pequenos grupos na frente do Fórum quando o Fernandinho Beira-Mar aparece para suas audiências, onde será julgado por mais algum assassinato com requintes de crueldade. Tantos crimes bárbaros, tantas injustiças todos os dias, e o tal clamor popular geralmente ocupado com algum reality show ou com as finais do futebol.

Nenhuma manifestação contra o Sarney. Mensalões? Tirando as badernas organizadas e a soldo, nada.

Pra mim, toda essa caterse coletiva ocasional, essa sanha condenatória, nada mais é do que forma de expiar culpas. É a manada sacrificando um dos seus às piranhas, somente para continuar no seu mesmo passo moroso, ruminando capim e golfando sua baba lustrosa.

14 Comentários:

Unknown postou 26 de março de 2010 às 08:50

Eu tenho nojo desse circo armado em cima da morte dessa garota. Não me conformo com esse bando de desocupado ficar dormindo na fila (!!!) pra conseguir um lugarzinho na 'lona'. As investigações desse crime foram um festival de briga de egos. Pra começar com o 'promotor-pavão', que foi em todos os programas de auditório pra aparecer. Pelo amor, tantas crianças morrem por dia nesse país e ninguém faz merda nenhuma. Se todos os crimes fossem pelo menos investigados com seriedade, mas infelizmente o que vemos é um crime sobressaindo com a guerra de egos, e o resto escondido por aí.
E logo logo essa palhaçada acaba, e volta tudo a ser a mesma merda de sempre...

Aliás, enquanto esse circo todo está na mídia praticamente 24 horas por dia, o julgamento dos policiais que mataram o jornalista Luiz Carlos Barbon Filho ocorre praticamente escondido. http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,julgamento-de-acusados-de-matar-jornalista-comeca-nesta-quinta,528733,0.htm

SukaTsu postou 26 de março de 2010 às 09:53

Brasileiro adora um furdunço. Se o furdunço provocar a mídia e surgir uma oportunidade de um anônimo aparecer na telinha por alguns segundinhos, é o quanto basta pra turba se assanhar!!!
Discutir legislação não é minha praia, mas a confusão começa quando a lei possibilita que qualquer pessoa assista a um júri popular, mesmo que não tenha nada a ver com o caso e nem seja aluno de Direito.
Vão alegar que se o júri é popular não poderia ser de outro jeito, mas em casos como esse, de comoção nacional, deveriam sim, a meu ver, limitar as possibilidades.
Mal comparando, daqui a pouco as pessoas vão se aboletar em frente a hospitais querendo assistir cirurgias, porque prá quem não tem nada de útil com que ocupar o tempo, prá quem vive no ócio, qualquer situação é chamariz.
Enfim, o circo está armado, os atores estão se exibindo e só nos resta rezar para que a justiça seja feita.
Mesmo sabendo que serei repetitiva, mais uma vez quero parabenizar você pelo post. Você já pensou em escrever um livro???

mvsmotta postou 26 de março de 2010 às 09:56

Suely,

Já sim. Só falta alguém pensar em publicar. ;)

Beijos e obrigado pelo carinho!

Marcus

Christine postou 26 de março de 2010 às 09:56

Você só esqueceu de mencionar a justiceira Glória Perez e seus comentários passionais...aonde houver um crime de grande repercussão, lá estará ela para condenar.
O que me irrita aida mais são os que dão a desculpa de serem estudantes de Direito...se realmente amassem a ciência jurídica, jamais tentariam aprender alguma coisa dentro de um palco armado onde a opinião pública já condenou os réus.
Vamos aguardar que o juiz quantifique a pena e assistir às discussões "jurídicas" que se sucedem.

http://twitter.com/Cre_tine

Silvio Araujo postou 26 de março de 2010 às 09:58

Concordo que a histeria coletiva está um pouco "exagerada", entrentanto temos que observar que este caso também é um tanto quanto atípico. Quando um "Fernandinho Beira-Mar" qualquer mata mais um no morro, é um caso considerado pela maioria como "normal", "esperado" (e não estou dizendo pessoalmente que seja). Porém, quando alguém que é de classe média/alta, mata a própria filha como foi este caso, com os requintes de crueldade da madrasta, então isso desperta a curiosidade das massas, pois ultrapassa o limite tolerado como "normal", "esperado".

Se eles são culpados ou inocentes, é trabalho da perícia, e acho que ambas as partes já tiveram suas oportunidades de demonstrar suas teorias. Tudo indica uma condenação, porém sem a certeza absoluta do que aconteceu de verdade. Isso é um dilema para Hercule Poirot resolver!!!

Luiz postou 26 de março de 2010 às 10:00

Como sempre. Excelente.

Priscila postou 26 de março de 2010 às 10:03

Detesto pessoas que não aceitam opinioes que são contrárias das dela.E ridículo ver essas pessoas na porta do fórum, xingando, protestando.Pergunta básica, a maioria é mulher e delas pelo menos 70% tem filhos.Aonde estão seus filhos?Não estou defendendo o Casal, mais a justiça é feita qndo se tem certeza de quem fez o crime, que neste caso uma prova concreta não existe.
Acredito sim que a população se revolta,mas sou uma revoltada em casa!cuidando da minha filha, cuidando da minha vida!
Se é pra protestar contra a violência, então evite-a não confrontando outros protestantes #povoignorante

Unknown postou 26 de março de 2010 às 10:39

@Gabi_Brom
Antes de mais nada parabéns pelo seu post!é bom ver que ainda tem pessoas que conseguem ver o outro lado da moeda!Sou bacharel em direito e independente disso tenho acompanhado o caso Isabella.Crianças morrem assim todos os dias, será que é preciso um caso desse para as pessoas se atentarem à maldade humana? se foi o pai, ou o zelador ou o ladrão isso pouco importa..alguém fez.Mas ser o pai é ainda mais "interessante", é mais surreal".O pai ter um segundo casamento, outros filhos e um mulher ciumenta e possessiva também se encaixa bem no enredo.Se alguém quizesse fazer uma novela ja estava tudo pronto.e qual brasileiro que não gosta de novela??e agora todos estão sendo "privilegiados" por estar vivendo essa novela, agora ela é real!e cada um quer fazer a sua figuração enquanto vários ainda buscam ser o protagonista!
Quando eu tinha 10 anos decidi que queria ser advogada, e não decidi isso porque queria acabar com a corrupção no Brasil.Decidi vendo um filme americano onde passava o tribunal do juri...era tão "legal"...e pra mim isso bastava...
Quantas pessoas nessa semana eu ouvir falar "nossa, deve ser muito bom advogar"...e eu fiquei pensando: Será que ta todo mundo tendo aquela minha idéia de quando eu tinha 10 anos??prefiri nem perguntar porque as pessoas estavam falando isso preferi ficar calada pra não ter que fazer a minha réplica.
Graças a Deus hoje tenho 25 anos e não sou advogada criminal, nem promotora ou sequer juiza.(não desmerecendo esses profissionais, estou falando do meu caso)Acho que o teatro tem mais a ver comigo.Assim eu faço a cena, convenço todos e não julgo ninguém.
Se alguém que está lendo também acha o tribunal do juri "legal " e "emocionante" , tem uma escola em laranjeiras que chama CAL. Fica a dica.

Lucia Valle postou 26 de março de 2010 às 12:05

Meu caro Motta, o polegar opositor do brasileiro só serve pra fazer sinal de "legal" pros amigos de copo e o cérebro... bem, esse deveria ser objeto de estudos aprofundados, afinal, usá-lo pra estudar e produzir algum produto intelectualmente relevante o brasileiro não quer; mas é só chegar num cargo político qualquer que o citado cérebro começa a funcionar inventando mil e uma formas de passar a perna nos outros! Então, deixemos a "pia batismal" a que você se refere funcionar e ver no que dá!
Abçs,
@LuciaValle

Cecilia postou 26 de março de 2010 às 12:24

realmente vc esta certo em suas colocaçoes, não aguento mais esse assunto, nem minha mãe tentando dar uma de perita, advogada e muito mais, fala, fala, fala e isso me irrita e já to ate querendo ver eles livres da condenação...mas eles com certeza comteram o crime e tem de pagar por isso..e deu, sem muito lero, lero...q pelo menos fique o bom senso, mas nisso tudo ganha muitos ate o vendedor de pipocas q fica em frente o forum..e viva o Brasil!!

Ge postou 26 de março de 2010 às 12:36

Graças a Deus as pessoas são livres para se manifestarem da maneira que desejam. Não acho nada ridículo. O que seria melhor então? Todos se calarem e ficarem nas suas casas ou vivendo suas vidas, alheios a um crime bárbaro como esse? Não se sabe quem fez isso, mas alguém fez e nada mais justo do que podermos clamar por justiça sim. Se não dá pra ser mais organizado, paciência, o que importa é nos manifestarmos sim.

Eneias postou 26 de março de 2010 às 13:21

Ótimo post.É muito bom ler algo relacionado ao assunto sem os termos "culpados","mil anos de prisão"ou "queimem no inferno".Tomara que o juri realmente acabe hoje,não da pra aguentar mais o circo!Enquanto isso,muitas outras crianças morrem assassinadas,ou de fome,ou de doenças que já deveriam estar erradicadas e ninguém sai na rua pra se manifestar.Nessas horas o meu povo me parte a cara de vergonha...

Anônimo postou 27 de março de 2010 às 15:57

Sempre que alguém me fala no execrável “clamor popular”, pergunto onde está escondida a guilhotina.

Beto postou 27 de março de 2010 às 17:11

Cara, não entrando no mérito, mas concordando que eles mereceram mesmo a condenação ou pior, tua descrição da cena e da atmosfera do espetáculo é muito boa.

Acho que você captou um bom q de verdade aí..

 
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