Ode ao dentista (ou não)

Postado em 19 de jul. de 2012 / Por Marcus Vinicius

Se tem uma lembrança que permeia as memórias da minha infância é a das idas ao dentista. Sério, a menor possibilidade de ter que ir naquele consultório gerava em mim um grau de ansiedade que somente condenados à forca deviam sentir.

 Na minha cabeça de criança, eu chegava ali às 8:00 da manhã e só saía um mês depois. A vingança é que até hoje o pobre do dentista não deve se esquecer de mim também, já que eu começava a ser atendido sentado na cadeira e passava dali para a pia, para a mesa dele, o sofá da recepção e às vezes só conseguiam me capturar no elevador.

 
Eu falava, gritava, chorava, berrava e exibia toda a candura de um javali preso numa rede de caça. 

Um dia minha avó que sempre me levava disse que eu berrava mais do que o normal e, de repente, fiquei quieto. O que aconteceu é que eu cansei de lutar contra o sujeito e resolvi deixar que ele terminasse logo de arrancar meu cérebro através dos molares, mas ela - que só ouvia tudo sem ver - achou sinceramente que o sujeito tinha perdido a paciência e me dado uma paulada na cabeça.

 
 Se fosse eu no lugar dele, não sei não, mas acho que a paulada seria considerada.

 
Talvez seja por isso - para me redimir com os dentistas e para aplicar meus métodos de adestramento de clientes rebeldes - eu tenha resolvido cursar Odontologia. Por incrível que pareça, alguém que sempre teve horror de brocas, anestesias, sondas e até dos espelhinhos, resolveu ser dentista.

 Bem, isso e também porque era um caminho mais fácil para andar de branco e ser chamado de doutor sem ter que fazer medicina. O problema é que o recurso só funcionou até o dia em que, ainda no primeiro período da faculdade, me confundiram com um vendedor de cocada.

 - Quanto você faz duas cocadas e um quebra-queixo?

 Ali toda a fantasia caiu por terra.

 Um dentista é um mecânico, um engenheiro (constrói até pontes), um técnico, um médico, um psicólogo e até conselheiro matrimonial. Juro que já precisei interromper homens e mulheres no meio de uma cantilena sobre seus respectivos pares.

 - Ah, doutor, o Almeida não funciona mais...

 - Almeida seria seu carro?

 - Não, meu marido, ele não quer mais saber de fazer sex...

 Nesse momento eu interrompia já com a anestesia na mão, dizendo calmamente:

 - Agora a Senhora fica quietinha porque posso resvalar e esbarrar com a agulha no seu olho.



Pode parecer cruel, mas o trabalho do dentista implica em manter as pessoas de boca aberta e isso fica meio impossível se o sujeito simplesmente se recusa a parar de falar. Eles confundem o "abre a boca" com "nunca mais cale a sua boca".


Uma pergunta constante: o dentista se diverte causando medo nos outros com aquelas seringas, boticões e curetas? Resposta: pra quê mentir? Tem hora que é divertido mesmo, mas isso é apenas uma pequena vantagem no meio de tantas outras desvantagens.

 A Odontologia pode ser uma profissão ingrata. Você passa o dia olhando céus vermelhos (os da boca) e sentindo cheiros que só se comparam a um banheiro químico de micareta. Isso sem contar o desprazer em descobrir que o sujeito comeu frango no jantar, sem precisar que ele te conte.

 Fora isso, dentistas nunca são retratados com muito glamour no cinema e na TV. Quando não são torturadores tentando arrancar dentes e confissões, geralmente são maridos traídos, vítimas de sequestro, namorados sem graça e, difamação das difamações, ladrões de mulheres de náufragos, como naquele filme em que o Tom Hanks fica com o Wilson (uma bola de volei) e o Dr. Spalding, o dentista, fica com sua noiva.

 Existe o House, a Dra Grey do Grey's Anatomy, Jordan a médica legista, o pessoal do E.R. e nenhum dentista. Nem mesmo no CSI, nenhum. É ou não é uma ingratidão com quem passa a vida tapando buracos de cárie e removendo tártaro dos seus dentes?

 Aqueles sorrisos de Hollywood e do Mundo de Caras seriam dignos de filmes de zumbi sem os dentistas. No entanto, até zumbis têm seus 15 minutos de fama, enquanto dentistas ficam presos nos comerciais da Colgate.


Aliás, sempre tive essa dúvida: como pode 90% dos dentistas dizerem que a Colgate é melhor e 95% que é a Oral B? Matemática não é o forte desse pessoal.

 Talvez seja por isso que dentistas sempre reclamem que ganham pouco enquanto os pacientes sempre acham que pagam muito.

 Sem contar que o campo de trabalho de um dentista (a boca) é pequeno, úmido, escuro e de difícil acesso, o que o torna uma mistura de mineiro com proctologista e escultor de modelos em escala. No final, o cara fica meio cego, meio surdo (ou você acha que o barulho do "motorzinho" incomoda mais a você ou a quem ouve aquilo o dia todo?) e meio torto.


Por isso, agora que você já sabe como dentista sofre, quando encontrar com seu  por aí num shopping center, numa festa de casamento ou na praia, não tente a todo custo arrancar uma consulta de graça no meio da rua, apenas dê um sorriso para ele em agradecimento.

 De preferência sem alface no dente.

4 Comentários:

Isabel postou 19 de julho de 2012 às 13:53

Hahahaha! Agora entendo bem por que vc largou a profissão! :)

Nati Pereira postou 19 de julho de 2012 às 15:06

Eu agradeço todos os dias por dentistas existirem, porque se não meus dentes não seriam como são hoje. Amém. Beijo

Karin postou 18 de junho de 2013 às 21:08

Que profissão chata! Concordo com tudo o que você descreveu. Feliz é você que teve coragem de pular fora! Infelizmente ainda continuo nela porque preciso pagar minhas contas.
Cheguei ao seu blog através desse post e lí seu "about". Me identifiquei demais! rs

mvsmotta postou 18 de junho de 2013 às 21:23

Pois é, Karin,

Tive que sair, serei sempre dentista, mas agora só na torcida pelos colegas. ;)

Beijos!

 
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