Ela desprezou o meu pendrive

Postado em 13 de set. de 2010 / Por Marcus Vinicius

Não sei quantos anos você tem, mas se tiver efetivamente vivido alguma coisa dos anos 80 - e não esse famigerado revival que parece que vai durar outros 80 anos - provavelmente você já gravou alguma fita cassete para alguma garota de quem estivesse afim.

Se você não fosse bonito demais, rico demais ou famoso/interessante demais, só o que te restava para tentar causar alguma boa impressão era o seu bom gosto musical (supondo que a menina acharia bom). O processo envolveria separar todos os seus discos, ouvir algumas faixas, organizar aquilo tudo de forma a dizer o que você queria, ou seja "te quero com limão", só que se equilibrando na linha tênue que separa o bonitinho do piegas, o sugestivo do tarado, o disponível do "pelo amor de deus, me namora!".

Por isso mesmo era fatal que nas minhas fitas entrasse alguma dos Smiths, Dire Straits, Simple Minds e Cure. Colocar James Taylor jamais, pois seria um forte sinal de desespero.

Todos nós selecionávamos bem quem iria receber essas fitas. Eu mesmo devo ter gravado apenas umas cinco ou seis durante a minha vida. Não oferecíamos aquilo para qualquer um, era quase como dizer "olha como você é importante, escolhi dentre as músicas que mais gosto as que me lembram você".


Algumas vezes funcionava, mas outras vezes não e ela preferia ficar com o playboy que pegava o Escort XR3 do pai emprestado para dar voltar no quarteirão sábado à tarde. Era uma sensação chata desprezarem sua fita.
Só que o tempo passou e as velhas fitinhas cassete sumiram do mapa, tal qual o talento do Paulo Ricardo e do RPM. Nunca pensei que isso pudesse acontecer, mas em seu lugar os CDs graváveis fizeram a festa. Passamos a gravar CDs para os outros, mas certamente já não tinha a mesma graça e nem era tão exclusivo.

Gravar as fitas exigia que ouvíssemos as músicas uma a uma, que voltássemos atrás para remover alguma faixa que comprometesse o resultado, era um trabalho mais artesanal do que selecionar pastas e arquivos e bancar o incendiário apertando uma tecla "burn!".

Mas até isso ficou para trás. Os toca-fitas de automóveis - que já não tocavam mais fitas há tempos -passaram a dispor de uma entrada USB para colocarmos um pendrive e os CDs lentamente também vão se tornando peça de museu. Pendrives não são mais absurdamente caros e dessa forma podemos colocar ali uns 2GB de música, o que equivaleria, sei lá, a umas 200 fitas cassete, em questão de minutos

O problema é que nem sei se as pessoas ainda fazem isso atualmente, presentar outros com músicas. Com tantos recursos, como por exemplo gravar um Vlog imitando o Bozo e falando mal de Crepúsculo e colocar no You Tube, escrever uma tuitada e pedir para 200 amigos passarem adiante dando RT, fazer uma montagem de vocês dois e colocar no Facebook torcendo para ela dar um "like" .

Mas se você ainda for old school e quiser tentar o velho método das fitinhas cassete, agora basta colocar o pendrive no seu computador, arrastar pastas e arquivos e entregar para a outra pessoa. O problema é o estoque de trocadilhos medonhos que isso pode criar, como "enfia meu pendrive na sua porta USB?", que já fica parecendo letra de funk.

E funk definitivamente não entrava nas minhas fitas.

11 Comentários:

Abelha Depilada postou 13 de setembro de 2010 às 11:32

Eu fico viajando com qualquer coisa dos anos 80, relamente nunca recebi, ou gravei uma fita pra alguém, mas vi muito disso acontecer! Eu gravava minhas próprias fita....
Quem diria que uma atitude tão banal se tornaria um post tão romântico...
Adorei

MrBuuuuuu postou 13 de setembro de 2010 às 11:38

Hoje em dia não está tão diferente...

Montamos cds, copiamos dvd's, editamos fotos, baixamos aqueles importados caros de 8.5Gb...

Tudo para elas!

E ainda corremos atrás de um Civic ou Corolla urgente.

Tudo por elas! ¬¬

Rocha Oliveira postou 13 de setembro de 2010 às 12:04

Bacana, cara!
Como saudosista assumido, esse post me fez recordar mais uma vez aqueles bons tempos vividos e "musicados" como não se vê mais hoje. Certamente que já gravei muitas cassetes pra mim mesmo, mas por algum motivo - individualismo ou preguiça talvez - nunca gravei nenhuma dessas pra ninguém...
Oportunismos a parte, convido você e seus leitores a visitarem também os meus blogs:
http://reautopia.blogspot.com
http://partindo-do-absurdo.blogspot.com

André Luís postou 13 de setembro de 2010 às 12:16

É mesmo... Já paguei tanto pau, fazendo o “som da gente”, pior o “nosso som”, hahahaha.
A ultima foi uma fita do The B-52´s, agora imaginem a minha cara quando a mina me falou que tinha gravado o Menudo por cima.

Rogerio Peres postou 13 de setembro de 2010 às 12:17

Legal o seu post!

O penoso processo artesanal d gravar fitas, tbm dava a sensação d comos éramos interados em conseguir preciosidades sem as vinhetas das rádios, esse presentinho de fitas cassetes, tinha no mínimo 2 objetivos para impressionar:
1- com a capacidade de gravar umas músicas sem vinhetas;
2- com a seleção requintada e assim passar uma imagem de descolado ou romântico;
3- com as dedicatórias em letras de forma que tbm caprichávamos em escrever os nomes das músicas com as famosas canetinhas de ponta porosa.

Enfim, estávamos limitados aos recursos, porém, continuamos querendo impressionar com ferramentas mais otimizadas e pq ñ, menos impessoais...

Abraço,
@r0gerx
http://trocandoemmiados.blogspot.com
http://akinobairro.blogspot.com

Anônimo postou 13 de setembro de 2010 às 12:39

Adorei o post. De uma criatividade e poética ímpares. Parebéns.

Anônimo postou 13 de setembro de 2010 às 13:41

Existe a seguinte coisa: o mundo NÃO PODE ficar parado lá atrás. As tecnologias vão chegar, mas ninguém está lhe obrigando a usá-las para cortejar uma mulher. Em tempos de MSN, não precisa conversar por ele: existe o telefone e mesmo a conversa ao vivo. Também não precisa fazer sexo virtual: é convidar a gatinha pra sair e pimba. O post foi excelente, ademais.

Kilson postou 13 de setembro de 2010 às 17:09

Fantástico!!! Viajei no tempo!

Unknown postou 13 de setembro de 2010 às 18:39

Certo dia, nos idos anos 80, pedi o "toca-fitas" do meu irmão emprestado, me enchi de coragem e num trabalho meticuloso que durou pelo menos uma noite toda, fiz a seleção de músicas da minha vida, enchi três fitas de 90 minutos e enviei para quem hoje é minha esposa.

Como podem ver, deu certo, estou casado a 19 anos.

Hoje em dia, sequer arrisco a abrir o Media Player, muita tecnologia pra pouco romantismo.

Isabel postou 14 de setembro de 2010 às 13:20

Adorei!!!
Lembro que quando pedia um som de presente, tinha que ter duplo-deck para fazer cópias de uma fita pra outra. Nunca presenteei ninguém, mas fiz muitas coletâneas maravilhosas que ouvia no meu walkman (uau!!).
Beijos

Ana postou 15 de setembro de 2010 às 10:18

Nunca ninguém gravou uma fita/cd/pendrive pra mim :(

 
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