Hoje eu não fiz nada

Postado em 8 de set. de 2010 / Por Marcus Vinicius

Estava meio sem assunto, pensando em alguma coisa para escrever e lembrei de uma colega de escola que escrevia na sua agenda. Hoje em dia isso seria meio anacrônico, mas houve uma época em que meninas não escreviam no Twitter, não postavam fotos fazendo bicos e mostrando os decotes no Fotolog ou Orkut e definitivamente não escreviam suas particularidades em blogs.

Nesse tempo elas faziam diários escritos em agendas, onde contavam seu dia a dia, suas paixonites, suas dúvidas, colavam papéis de bala, guardanapos, lembranças. Aquilo geralmente só era lido por ela ou no máximo pela melhor amiga, isso caso os meninos do colégio não roubassem para ler e depois zuar com a cara dela. Mas no fim das contas se resumia a isso, uma prática íntima, quase solitária, feita mais para si do que para o mundo.

Mas se várias meninas faziam, porque então lembrei justamente dessa garota do meu colégio? Primeiro porque ela não tinha problema algum em mostrar a agenda dela pra todo mundo, depois porque ela não era lá muito boa com palavras - ou talvez não tivesse a paciência e a disciplina necessárias para escrever um diário - e em vários dias ao invés de contar algo interessante ela simplesmente escrevia "hoje eu não fiz nada".

Talvez por ser tão sem graça assim - e não conter relatos de paqueras, amassos, transgressões - é que ela permitia que qualquer um lesse aquilo, mas o fato é que desde aquela época eu achava isso curiosíssimo.


Como assim "não fez nada"? Eu sempre pensava nessa coisa filosoficamente, talvez até por não estar fazendo nada, e é aí que a coisa pegava. É impossível alguém não fazer nada. Até mortos, estamos fazendo alguma coisa, nos decompondo, por exemplo. Pensando no diário dela eu já faço alguma coisa.

Se você passar a tarde no quarto, deitado, olhando pro teto, você não "fez nada", você "passou a tarde no quarto, olhando pro teto". Dormindo, você dorme, o que é bem diferente de nada (pergunte a um insone), e às vezes até sonhamos ou temos pesadelos, o que transforma muitos períodos de sono em eventos bem produtivos.

A conclusão óbvia disso é que torna-se impossível você não fazer nada.Você pode fazer coisas inúteis, coisas idiotas, coisas chatas. Você pode ser um membro do Restart, um ex-BBB, um comentarista de arbitragem, um cantor de axé, uma dançarina de funk, pode fazer parte de um grupo de pagode, e tudo bem se acharmos que qualquer coisa que você produza nessas atividade é algo bem próximo do nada, mas ainda assim - e infelizmente - não será nada. Será algo. Ruim, péssimo pra dizer a verdade, mas ainda assim será algo.

E perceber coisas desse tipo me causa certo desespero, afinal desde os 15 anos mais ou menos o meu maior plano é ser aposentado. Sabe como é? Ganhar dinheiro, fazer o "pé-de-meia", garantir rendimentos e passar o resto da vida sem precisar "fazer nada para ninguém".

Pois é, descobri que não será possível.

10 Comentários:

Andrea postou 8 de setembro de 2010 às 09:12

Impossível não fazer nada... a internet está aí ao alcance de todos. E o trabalho/atividades extras que nos sugam cada vez mais.

Paula postou 8 de setembro de 2010 às 09:16

Gostei!

Fran Alves postou 8 de setembro de 2010 às 09:23

AAHHAHA,Gostei palavras sinceras, faz bem nos dia atuais.

Rosa Magalhães postou 8 de setembro de 2010 às 09:47

Na blogosfera, parece que perdemos o receio de nos expor. Sou blogueira há 5 anos, absolutamente autêntica nos meus textos e isso já me rendeu críticas e elogios. Certa vez escrevi que "minha vida é um livro aberto... escrito em braille" e depois descobri que não é bem assim.
Olha lá meu último post, se gostar, volte sempre. Vou linkar você.
Bjs.

Unknown postou 8 de setembro de 2010 às 10:00

Gostei muitoo!!

Contriller postou 8 de setembro de 2010 às 10:22

"Nada que eu precise escrever no diario. nada pessoal."

Não sei... eu considero o próprio nada uma filosofia muito profunda, tudo começa do anda, tudo termina no nada, etc...

Mas eu precisaria escrever um texto pra me expressar

Bom post :]

Lila postou 8 de setembro de 2010 às 16:10

É... pensando assim a minha vida torna-se agitadissima.
Já comentei sobre esse ritmo de internauta que adquirimos em meu próprio blog, e por falar nele, foi sim, justamente pra expor as palavras que antes escrevia em um caderninho que o criei, assim como sua amiga.
=)

Raquel postou 8 de setembro de 2010 às 19:21

Desculpe-me, mas fazer nada é que é impossível. Se você não faz nada, é porque está fazendo alguma coisa. A sua garota do diário deveria ter escrito: "hoje eu fiz nada!!!!" kkkkkkkk

Ah, para não fugir do comum, adoro o que você escreve. Bjos.

merry postou 10 de setembro de 2010 às 10:01

Eu fazia agendas exatamente como você mencionou e por mais incrível que possa parecer ainda tenho guardadas!
Gostei do post e ela escrevia que fazia nada porque ainda não se falava do Ócio Criativo do sociólogo italiano Domenico Di Masi.

Ana postou 15 de setembro de 2010 às 11:01

Bom, imagino que você com certeza não acredita no "Nadismo" então:

http://www.nadismo.com.br/

(eu também não acredito, coisa de babaca)

 
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