Diálogo surreal com um ex-amigo

Postado em 21 de out. de 2010 / Por Marcus Vinicius

Eu estava caminhando na rua na hora do almoço, meio sem o que fazer e, de repente, ouço uma voz conhecida me chamando:

- Marcus Vinicius!

Olhei e vi, mais gordo, um antigo amigo de infância, aliás, um amigo da adolescência que já não encontrava há anos. Continuava moreno de praia como se ainda pegasse onda e menininhas do mesmo jeito que "na nossa época". Cheio de tatuagens - acho que até com mais algumas do que tinha - e o mesmo jeito "praiano" de falar.

- E aí, rapaz, quanto tempo!

- Pois é, Marcus Vinicius - não sei porque, ele sempre me chamava pelo nome composto - andei sumido mesmo...

- Trabalhando muito? Mudou de estado?

- Não, estava preso.

Já olhando em volta disfarçadamente à procura de alguma câmera escondida de um programa desses de pegadinha, duvidei dele:

- Ahh, deixa de bobagem, sério, o que você andou fazendo?

- É sério, Marcus Vinicius - lá vinha ele com o nome composto de novo - eu estava preso há quatro anos.

Tipo, nessa hora o que você diz? "Foi bom pra você?", ou então "É verdade o que contam sobre a hora do sabonete?" ou ainda o fatídico "Preso por quê?", mas não precisei perguntar nada disso, já que ele estava ávido por compartilhar suas memórias do cárcere comigo:

- Fui pego com maconha, sabe? Era mais de um quilo, mas como eu tenho cara de playboy o juiz me enquadrou em posse e me mandou passar quatro anos na cadeia.

- Que chato, cara, nem sei o que dizer...

- Nada, Marcus Vinicius, fica de boa. Olha, descobri que presídio não é isso que dizem, sabia? Lá dentro eu tinha cigarro, bebida, maconha, pó e até mulher se quisesse, é quase igual aqui fora.

Uau, mal posso imaginar as semelhanças, mas ele não deixou minha mente divagar muito tempo, continuando:

- Descobri que sou é do crime mesmo, é outra coisa, outra liberdade. Não tenho patrão, relógio de ponto, nada...

E eu pensando "Mas e as grades? E as algemas? E os 'corretivos' dos meganhas?", só que ele continuava, sem parar, olhos brilhando:

- Depois que saí fui morar com outros dois amigos cadeeiros que nem eu, a gente está devagar, mas sabe como é, né? De vez em quando pinta alguma coisa...

E eu desconfortável, sem saber se aquela simples conversa já me enquadraria no código penal ou não, tentei me despedir:

- Olha, prazer te encontrar, bom ver que você está bem, que tem sucesso no seu campo profissional...

- Ahh, que isso, Marcus Vinicius! Já tá indo? Poxa, faz tanto tempo, me deixa pelo menos te pagar um cachorro-quente ali naquela barraquinha, em nome dos velhos tempos...

- Não, tudo bem, pode deixar...

- Que nada! Lembra uma vez que a gente estava voltando da praia e você me pagou um sanduba? Pois é, tô devendo até hoje, pronto, chegou a hora de pagar...

- Nem lembrava disso, não precisa...

-Pô, cara, desse jeito você vai me ofender...


Avaliei que não seria bom negócio contrariar alguém que se apresenta orgulhosamente como "cadeeiro", então resolvi acompanhá-lo até a tal barraquinha de cachorro-quente. Chegando lá, ele já foi logo intimando:

- Ó, prepara dois cachorros-quentes no capricho aí, pra mim e pro meu camarada aqui. Enche isso de batata-palha, maionese, cebola e não esquece do ovo de codorna...

Ficamos ali comendo - quer dizer, ele comendo, eu tentando engolir o sanduíche o mais rapidamente possível - e quando terminamos virei pra ele e disse:

- Cara, agora eu preciso ir mesmo, tenho que voltar pro trabalho, sabe como é...

E ele:

- Tá vendo? Por isso que eu não tenho patrão...

Virou pro cara do cachorro-quente e pediu a conta. O diálogo que se seguiu foi uma das situações mais surreais que passei na vida:

- São cinco reais, chefia...

- Cinco reais? Pois é, deixa eu te contar...eu briguei com a minha mulher hoje, cheguei atrasado no trabalho, meu chefe me mandou embora...

E tirando um revólver de uma pochete - dois crimes: a pistola e a pochete - continuou:

- Estou aqui duro, só com esse berro no bolso e doido pra dar um tiro em alguém...mas diz aí, quanto eu te devo mesmo?

- Nada não, patrão, é por conta da casa...

- É assim que eu gosto!

Me deu um tapinha no ombro, se despedindo:

- Viu só, Marcus Vinicius? Não preciso nem de dinheiro e nem de carteira assinada...

- É, vi...então, obrigado pelo cachorro-quente que você acabou de assaltar do cara, foi um prazer, viu?

Ele riu e antes de ir embora caminhando pela calçada ainda disse:

- Vê se não some, hein, Marcus Vinicius!

- Pode deixar! - Eu disse, já pensando que teria que mudar de cidade.

Voltei até a barraquinha de cachorro-quente e paguei os cinco reais ao pobre sujeito, me desculpando e dizendo que não tinha nada a ver com aquilo.

Voltei para o trabalho pensando em como esse mundo é louco, e como a minha mãe estava coberta de razão quando dizia que passar as tardes na praia com aqueles vagabundos não ia me render nada na vida além de histórias pra contar.

Bem, ela estava certa e ainda por cima o cara agora me deve dois sanduíches.

11 Comentários:

Anônimo postou 21 de outubro de 2010 às 09:41

Muito bom! Adoro seu blog

@Mary_Ozzy postou 21 de outubro de 2010 às 09:59

vida louca, vida!

Contriller postou 21 de outubro de 2010 às 10:28

Isso é real? HAHAHA Nossa, meu... que coisa. Só espero que ele não leia o blog. Seria certa mancada isso. Acho que cada um vive do jeito que lhe convém, e acabo de concluir que cadeia no brasil realmente não pune bandido porra nenhuma.

Boa postagem, abs.

Isabel postou 21 de outubro de 2010 às 11:08

hahahahaha, adorei!
Beijos

Unknown postou 21 de outubro de 2010 às 14:01

Tipo assim, você merece!!! kkkkkkk
Que é isso, cara? Diga-me com quem andas e te direi quem és...

Abraços

rafasena postou 21 de outubro de 2010 às 20:28

Como assim, isso é real? Tô chocado, e acabo de cortar relações com amigos antigos que tenha algum tipo de desvio de conduta. ÓTIMO post!

Maraguary postou 22 de outubro de 2010 às 02:19

KKKKKKKKKKK!!!! Nem sei o que comentar!!! KKKKKKKKKKK!!! Seria trágico se não fosse TÃO cômico e se você não tivesse pago os cachorros quentes!!!!! KKKKKKKKK!!!!

Unknown postou 23 de outubro de 2010 às 02:53

KKK Muito bom,mas que ex-amigo folgado.Nem grana pro cachorro quente o vagal tinha.KKK

Rodrigo Santos postou 24 de outubro de 2010 às 18:44

SahsuaHSUasuSAh
Não acredito que isso seja verídico kkkkk
Não é possível!!
Mas eu ri muito

mvsmotta postou 24 de outubro de 2010 às 19:00

Rodrigo,

Pior que é história real...rs

Abs

J.7 postou 28 de outubro de 2010 às 07:05

O Brasil e as suas contradições, as pessoas e as suas escolhas.
Ainda assustada e refletindo sobre esse acontecimento...

 
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