Associada Júnior do Setor de Calçados, reportar rotina 3

Postado em 4 de jan. de 2011 / Por Marcus Vinicius

Eu estava numa dessas lojas de departamento que vendem desde cuecas até bicicletas, passando por chocolates, DVDs, brinquedos e talvez até um ou outro deputado, quando escutei o aviso sinistro:

- Associada Júnior do Setor de Calçados, reportar rotina 3.

"Reportar rotina 3", essas palavras ficaram se repetindo na minha mente enquanto eu tentava imaginar o que seria a tal rotina 3. Pensei em tudo, desde bombas de fabricação caseira até "cliente surtado com machado na seção de video-games" ou "coroa desgovernada sem roupa na seção de cama, mesa e banho", mas no fim conclui que deveria ser algo tão sem graça quanto ligar para o telecheque ou passar algum cartão de crédito.

Nunca entendi direito essa mania que certas empresas - tudo bem, quase todas - tem de criar nomes difíceis para coisas simples. Talvez seja para dar uma enfeitada num trabalho sem graça, para criar um jargão que mantenha o cliente sempre às escuras, tomado de uma reverência que só se tem com o desconhecido.

Creio que ficar sentado esperando que alguém "finalize o procedimento A-2" seja uma aventura muito mais tensa do que simplesmente esperar que tirem fotocópias da sua identidade, daí essa fixação por termos que apenas enfeitam o que é comezinho.

Ainda lembro quando telefonei para uma agência de turismo para confirmar um orçamento e ouvi a mocinha me perguntar, solene:

- Quantos PAX, Senhor?

Mais tarde fui avisado que "pax" é a sigla para "passageiros". Tudo bem que isso economize oito letras e talvez padronize internacionalmente o termo, mas eu precisava ter contato com isso porque mesmo?

Outra cousa que me deixa intrigado é a mania de criar novos nomes para trabalhos tão antigos quanto as anáguas ou o rapé. Empregada doméstica assim vira "secretária do lar", balconista vira "atendente" e funcionário vira "associado".


Nestes ainda se compreende a intenção de conferir mais importância ao cargo, mas o que dizer do bom e velho cabeleireiro ter virado "hair stylist", a recepcionista se transformar "hostess" e quase todo mundo passar a ser "designer" ou "personal" alguma coisa.

É desgner de piscina, de sofás, de almofadas, de jardins, de banheiros, de jóias (pobre do velho ourives).

E tem também o personal trainner (verdade seja dita, este, pelo menos, é o original), personal-stylist, personal-fritador de pastéis, personal-engraxate, enfim, tem personal para tudo. Tem até um personal-shopper, que se encarrega de fazer compras pra você (talvez quem precise de um desses nunca se casou e deu um cartão de crédito pra esposa).

Se você estiver desempregado, não se preocupe, você sempre poderá dizer que é DJ ou que "tem projetos em andamento" ou algum curso ou "consultoria" pra fazer.

Já alguém que teve algum sucesso, mesmo que breve, em qualquer atividade (vale ex-BBB, deputado cassado, ex-amante de jogador de futebol), pode ganhar dinheiro dando palestras. Sempre existirá um idiota disposto a ouvir o que outro idiota tem para dizer sobre algum assunto idiota.

Mas a grande verdade é que se o segredo do sucesso é fazer o que se ama, deveriam nos pagar para dormir, viajar e ir à praia, afinal de contas, seria genial passar 11 meses de férias e depois negociar a venda de 15 dias de trabalho com o chefe.

6 Comentários:

Laura postou 4 de janeiro de 2011 às 09:15

Essa mania das pessoas de complicar os nomes para dar um ar mais chique hahahaha

Isabel postou 4 de janeiro de 2011 às 10:16

Ainda tem o termo "colaborador" usado para os funcionários. Mas o pior é o que acontece aqui na minha empresa, de usar termos em inglês (ou "inglesado") pra tudo, como: "vamos startar o job". Credo...

Silvio Araujo postou 4 de janeiro de 2011 às 10:22

Agora fiquei curioso... o quê era afinal a "rotina 3"????

mvsmotta postou 4 de janeiro de 2011 às 11:50

Silvio,

Acredita que até hoje não descobri?

Abraços!

Richard postou 4 de janeiro de 2011 às 16:31

Ótimo blog, cara.

Vc é quase tão rabugento quanto eu.

Tá nos meus feeds.

Unknown postou 4 de janeiro de 2011 às 20:06

Crônica deliciosa e muito bem elaborada, mas fiquei como o Silvio Araujo: o que é "rotina3"? Se você se lembrar da loja de departamentos, pesquise pra nós...
Acho absurda esta mania de mudar nome de profissões, afinal de contas o Brasil está repleto de "consultores" que não sabem nada. Mas transformou-se numa boa dica para quem está sem fazer nada.
Como sempre e cada vez mais magnífico, Vinicius!
Bjs
Angela

 
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