Calma! Não estou desejando mal ao propagandeado programa de socorro e resgate do governo e nem a ninguém.
Essa é apenas uma forma de dizer que desejo que ela demore muito, e se for depender do SAMU é capaz de termos aí um problema de superpopulação, porque a temida senhora não virá nunca. E faço questão de explicar o porque em duas rápidas cenas do cotidiano que eu mesmo tive o (des)prazer de presenciar.
Na primeira eu tinha almoçado num restaurante, era sábado e a casa estava cheia, era um desses estabelecimentos de dois andares, um desses templos de gulodice a quilo, já estava indo embora quando ouço por trás de mim o som de um pinguim rolando escada abaixo. Pensei na hora "pinguins não curtem comida a quilo, como pode?" e olhei para conferir: era uma senhorinha terminando uma cena de pastelão.
Lembrei de todos os episódios de E.R. que já assisti e disse: ela precisa ir para um hospital, pode ter que fazer uma tomografia (falar CT Scan é muito mais cool, mas fazer o que..) e resolvi ligar para o tal 192 do meu celular. O diálogo que veio em seguida é kafkiano:
-Alô? Quero pedir uma ambulância para socorrer uma senhora que caiu de uma escada.
- Pois não Senhor, qual o endereço?
- Rua tal, número tal, em frente ao colégio tal.
- O Senhor pode me dar um ponto de referência?
- EM FRENTE AO COLÉGIO TAL.
- Peço que tenha calma Senhor, essa escada onde ela caiu, está localizada em que lugar?
- Na rua tal número tal, dentro do restaurante tal e qual.
- Mas a escada é dentro do restaurante ou é saindo do restaurante e chegando na rua?
- É dentro do restaurante.
- Entendo. O Senhor pode me dizer a altura da escada?
- Eu não tenho fita métrica aqui, esqueci no meu outro cinto de utilidades, mas calculo que seja algo entre três e quatro metros.
- Três ou quatro metros Senhor?
- Quatro, quatro.
- Muito bem. Essa Senhora, qual a idade dela?
- Não sei, aparenta ter uns 60 anos.
- Ela está acompanhada?
- Sim, o filho está junto dela, socorrendo.
- E qual a idade do filho dela?
- Desculpa, mas isso é realmente relevante?
- Senhor, tudo o que eu pergunto é relevante.
- Não sei, uns 40 anos.
- E o Senhor tem o telefone dele?
- Se você quer um encontro, porque você mesma não pede? Que tal mandar uma ambulância logo?
- Senhor, eu preciso fazer todas essas perguntas, tenha paciência.
- Eu tenho paciência, só não sei se a cabeça dela que bateu no chão umas duzentas vezes enquanto ela rolava escada abaixo vai ter a mesma paciência.
- Ela está acordada?
- Está.
- Lúcida?
- Está tão lúcida quanto alguém de 60 anos, com um filho de 40, que possui o número de celular 9999-9999, que caiu de uma escada de uns quatro metros, dentro do restaurante tal, na rua tal, em frente ao colégio tal poderia estar 15 minutos depois da queda e sem nenhum tipo de socorro.
Foi quando o gerente do restaurante me procurou e disse:
- Amigo, outro dia eu fiquei meia hora com eles e a ambulância não veio. Eu vou pegar o carro do restaurante e levar a senhorinha acidentada para o hospital.
Só tive tempo de dizer para a atendente do 192:
- Muito obrigado pelo quiz. Não precisa mais mandar nada, porque como sempre as pessoas já se viraram sozinhas.
Da outra vez foi em Botafogo, em frente ao Espaço de Cinema. Ouvi aquele barulho característico de uma colisão de automóveis, só que ao invés de frear, o carro continuava acelerando. A mulher ao lado do motorista berrava "Ele está infartando! Ele está enfartando" (coloquei as duas formas "infartando" e "enfartando" para ninguém ficar chateado), fingindo que não lembrava da história da mulher da escada disquei para o 192 de novo.
Mas como seguro morreu de velho - porque nunca dependeu do SAMU - e eu sei que tem uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) ali perto, corri pra lá enquanto respondia ao questionário sócio-econômico-e-até-de-vidas-passadas que a atendente do 192 fazia.
Chegando na UPA, recebi a notícia que os médicos e enfermeiros ali lotados não pode ir nem na esquina caso alguém esteja morrendo lá. É preciso trazer o indivíduo até eles. Tudo bem, pelo menos eles devem ter alguma influência e abreviar o atendimento do 192, não é?
Não.
O Cabo do Corpo de Bombeiros estava já há 12 minutos - cronometrados no meu celular - com a atendente num debate interessante: a vítima bateu e desmaiou ou desmaiou e bateu?
Porque se tivesse batido e desmaiado, seria caso de ligar para o 193. Se tivesse desmaiado e batido, aí sim, seria 192.
No meio da discussão filosófico-matemática sobre qual era o número responsável pelo Senhor que agonizava a uns 800 metros dali, eis que chega o enfartado, trazido por um segurança que trabalhava na rua e resolveu ir até a UPA dirigindo o carro da vítima.
O cabo dos bombeiros devolveu o telefone, agradeceu meu "gesto de cidadão" e me confessou ao pé do ouvido "Esse 192 é uma m*!".
Não sei qual foi o destino da senhorinha da escada ou do senhor que desmaiou, mas sei de uma coisa: o cabo estava coberto de razão.