Você também pode ser um autor de novelas.
Talvez não hoje, talvez isso nem ocorra realmente, mas baseado num breve olhar sobre os roteiros das novelas de TV, é possível a cada simples mortal escrevê-las sem muito esforço, basta que uma alma caridosa crie o Novela-Maker ou Noveloshop.
O nome não importa, mas um software criador de capítulos ajudaria cada um de nós a concorrer com o Manoel Carlos, o Sílvio de Abreu e até com a Glória Perez.
Entra ano, sai ano, e não cessa o desfile de clichês como a bonitona que deseja subir na vida, a mocinha boazinha que sofre mais do que biscoito de maizena em boca de velho, a coroa desgovernada que separa do marido e passa a colecionar garotões, o núcleo suburbano, as esposas ciumentas, os maridos paus-mandados, o comedor de esposas, os pobres que ficam ricos, os ricos que ficam pobres, enfim, não é difícil imaginar a composição da próxima novela quando você já assistiu uma ou duas antes dela.
O que muda basicamente são os cenários.
Você assiste uma novela e acompanha a história de vendedores de empadinha árabes que estão envolvidos numa trama de tráfico de órgãos junto com russos que dançam axé.
Em outra novela, a história gira em torno de uma família de holandeses que veio para o Brasil fugindo do nazismo mancomunados num esquema de tráfico de órgãos com hackers japoneses que tocam pagode.
E quando falta assunto, sempre se pode recorrer aos italianos. Novela de italianos é uma espécie de "ôôô" e "lá-laiá" de letra de samba: quando você não sabe mais o que colocar ali para tapar um buraco, recorre a eles.
Um programador mais descoladinho e sacana pode muito bem inventar então o tal software, onde você lança alguns dados e no final tem uma novela prontinha, bastanto para isso fazer o teste do sofá com algumas aspirantes a modelo e atriz.
Você pode inventar as situações mais absurdas do mundo, desde que sempre respeite a presença obrigatória de ricos que servem para mostrar ao telespectador como a vida dele é uma bosta, e dos pobres que o permitam saber que tem gente por aí pior do que ele.
De um vilão ou vilã onde todos os noveleiros possam exercitar seu sentido ético e odiar sem peso na consciência e, claro, de um herói ou heroína que seja uma espécie de alter-ego dos fãs.
A partir daí, gêmeos que lançam raios-laser pelos olhos e a probabilidade do seu (sua) namorado (a) ser um irmão que você não sabia da existência é maior do que pegar uma gripe serão apenas elementos para encher lingüiça (sim, a minha tem trema) e garantir o tamanho dos capítulos.
Aí, entre gêmeos que obrigatoriamente serão mais diferentes do que o Jô Soares e o Tiririca, entre pessoas que nunca trabalham mas sempre tem dinheiro, donas de casa que comem o pão que o diabo amassou mas se preocupam mesmo é se o feijão vai queimar e indianos que vivem no Brasil e comem churrasco, o sucesso é garantido.
Restará a você aparecer na revista Caras e no Faustão, sempre reforçando o bordão do momento:
- Mamma Mia! Hare Baba! Inshalá!
Arigatô.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
9 Comentários:
Às vezes eu acho que a Globo já encomendou esse programa!! Só isso explica tamanha repetição!
Muito bom o texto!!
O mais estranho dessa história é que todo mundo que assiste novela já sabe, mas não querem ver... o dia em que bons livros e filmes chegarem a população, que ainda tem de ser alfabetizada, a novela e a Rede Globo ficarão em risco iminente de esquecimento da massa.
Ou seja, o software Novela-Maker ou Noveloshop teria a função de fazer aquilo que é realmente difícil na composição de uma telenovela e impede que qualquer imbecil escreva uma: a montagem. Porque, por mais entupidas de clichês que sejam as tramas, personagens e diálogos, juntar isso tudo de forma a manter um fluxo que gere interesse pelo que virá depois é muito complicado. Acho que Manuel Carlos e Glória Peres estão precisando de um software desses.
Wilson,
Na verdade o software provaria como tudo isso independe de criatividade e depende mais é de disciplina e método mesmo.
Abs
Nada tenho a dizer sobre softwares, mas a trema foi fantástica.
Sem querer parecer tola ( o que eu não suportaria), um roteirista de cinema tem acesso a filmmaker, já prontinho pra rodar? Como é feito o uso do script?
Como ficaria no caso o filme Adaptação, dirigido e roteirizado pelo roteirista Charles Kauffman, único filme de Nicholas Cage que não fez sucesso e foi uma aula de cinema?... Aquele filme merecia, em minha não humilde opinião o Oscar de melhor filme, roteiro adaptado e melhor ator.
Enxerguei jargões, de fato, mas muito mais criatividade e sentimento para o foco principal, a razão da vida, darwiniana ou não, de nossa infinita capacidade de amar por amar.
A última novela que assisti, porque de relance senti que seria boa foi "O Clone", que achei surpreendente pelo tema e criatividade. Beijos Angela
Uma vez ouvi um podcast bem engraçado sobre novelas dos anos 80, parece que eram tão humorísticas, umas histórias mirabolantes, e o "politicamente correto" não atrapalhava. Deu até vontade de ter visto umas. O contexto tbm conta, eram outros hábitos, juntar a família no horário nobre pra ver TV era um evento. Hoje só ver uma chamada de alguma novela nos comerciais já é um porre.
Oi Marcus, gostaria de fazer uma pergunta( sem maldade)...por que na sua linguiça tem trema? Você não concorda com as mudanças ortográficas ou é apenas brincadeira? Fiquei curiosa...rsrsrs. Bjsss!
Gil,
Sou contrário a este empobrecimento da língua em nome de uma unidade fajuta.
Bjs!
Gostei da ênfase na frase : "O que muda basicamente são os cenários." pra mim ela resume o que são as novelas...hehe
Sempre muito bons teus textos aqui!!
Postar um comentário