Marx no capitalismo dos outros é refresco

Postado em 3 de abr. de 2012 / Por Marcus Vinicius


Pedrinho estava revoltado, sua raiva era tanta que ele seria capaz até de jogar seu iPhone na parede, caso ainda tivesse um. Aliás, o motivo da revolta era justamente esse: seu progenitor resolveu confiscar o mimo eletrônico, entregando-lhe um cartão para ser usado no orelhão em caso de necessidade.

Bem nascido, frequentador da trinca colégio particular-cursinho de inglês-férias na Disney, Pedrinho ficou embasbacado quando começou a ter aulas de história no Ensino Médio com o Professor Zeca, um porra louca que morou numa comunidade hippie, é socialista, filiado ao PSOL e odeia a burguesia, ainda que não dispense o salário bem acima da média que aquele colégio de burguês paga.

Nas suas aulas Pedrinho aprendeu que o capitalismo é praticamente coisa do demônio, que a burguesia fede, que a elite é insensível e que a classe média tem nojo de povo. Ficou com tanta raiva quando descobriu isso que quase pediu para deixar de ir de carro com motorista pra escola, mas desistiu quando viu como os ônibus vivem lotados e não têm nem um mísero ar-condicionado.

Em compensação colou um adesivo do PCO no pára-choques do Peugeot da mãe, já que o PSOL é muito light pro seu gosto. E tudo ia correndo desse jeito até que o pai dele resolveu dar um basta naquilo.

Acampar na praça tudo bem. Andar com aquelas roupas com aparência de que não eram lavadas desde Woodstock, OK. Mas usar o cartão de crédito para fazer assinatura da Carta Capital foi demais.
  

Só que a dolorosa perda do iPhone não foi nada comparado às privações de fazer inveja à protagonista de novela mexicana que o rapaz estava sofrendo.

O computador (iMac, claro) foi retirado do seu quarto. A TV da sala ganhou uma senha para os canais a cabo, deixando o nosso Che Guevara da Apple Store com acesso somente à Globo, RedeTV!, SBT, Band e Record, sabe como é, essas emissoras do populacho.

Seu armário foi trancado a cadeado e o informaram que teria R$50,00 para gastar em roupas e sapatos. Podia escolher uma loja de mercado popular ou um bazar de igreja, tanto faz. O ar-condicionado do quarto foi substituído por um ventilador de 30cm, que só funcionava durante 6 horas por dia, já que a energia seria racionada.

Junto com o cartão telefônico também ganhou um vale transporte com carga suficiente para metade dos dias do mês. O rapaz poderia escolher ir e voltar da escola de ônibus durante 15 dias ou fazer um dos trechos a pé.

Em casa a empregada foi instruída a só fornecer o que continha numa caderneta de racionamento, que listava uma cota mensal de 12 pãezinhos, meia dúzia de ovos, 200gr de carne moída, 100gr de sardinha, 2 latas de salsicha, um envelope de sopa de pepino em pó e um pacote de biscoito de maizena. Fora das quantidades listadas, nada mais seria fornecido.

Para terminar o pai estabeleceu que qualquer deslocamento que ele tivesse que fazer a mais de 100km de casa deveria ser autorizado previamente. Passeio na casa do avô em Campos do Jordão ou churrascos de final de semana na casa do tio em Búzios entravam nessa restrição. Um formulário com 30 páginas deveria ser preenchido com 30 dias de antecedência e a resposta seria dada em 60 dias úteis. Tal qual cubanos precisam de permissão para deixar o país, frisou o pai.
 
Não aguentando mais aquela vida de cão, ele resolveu juntar todo seu furor revolucionário e exigir sua antiga vida de volta. Expôs toda a humilhação, falta de conforto e indignidade de tudo o que estava passando e obteve como resposta uma declaração simples:

- Ué, você não é comunista? Só estou te dando a vida que você deseja para os outros.

O garoto ouviu aquilo e saiu dali correndo. Foi procurar as camisas do Che, as fotos do Fidel e os Grundrisse do Marx para botar fogo o mais rapidamente possível.

6 Comentários:

DarkRaposao postou 3 de abril de 2012 às 08:33

Só faltou falar da decepção do garoto quando da descoberta do patrimônio pessoal de Fidel! hehe

Rafael Davidson postou 3 de abril de 2012 às 08:51

Conheço muitas pessoas com o mesmo pensamento do garoto, mas que não largam a vida confortável que tem.

Luiz Fernando postou 3 de abril de 2012 às 09:34

Quem dera todos os pais de "jovens revolucionários" fizessem isso.

Fernanda Nakamura postou 4 de abril de 2012 às 11:31

Excelente se ganhasse 1 real por cada um desses q eu encontrasse...

Franciele K. postou 4 de abril de 2012 às 15:26

Eu estava na sexta série quando soube um pouco das ideologias do capitalismo e do socialismo. Quando disse para minha família que eu preferia viver no socialismo, agiram da mesma forma. Ainda bem que eu tive o bom senso de ir mais além das histórias que eu ouvia.

Aff Manu postou 19 de abril de 2012 às 06:57

Ótimo texto!
Infelizmente tem um monte desses por aí, dizem que são comunistas e nem sabem ao certo o que "prega" o comunismo.

 
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