Viver é mudar tanto que a gente vai se esquecendo aos poucos.
Pode perceber isso: tente parar e pensar em quem você era há 10 anos, ou há 15 anos, ouapenas há 2 anos. Se você conseguir lembrar, vai ver como já não é mais quem era.
Acontece que nossa vida nos joga de um lado para o outro e não dá muito tempo para que percebamos isso. Vamos acordando e dormindo, esperando o próximo final de semana, o próximo feriado, as próximas férias, a hora de dar entrada naquele carro que queremos, de mudar de casa, a hora do lanche, o happy hour.
E nessa espera - viver é, basicamente, esperar - vamos mudando lenta e tão profundamente, que no final somos nós, só que não mais.
Costumo identificar isso de acordo com a direção do nosso olhar. Quando você sai de férias - e férias são o mais perto da infância que você chega na vida adulta - conseguimos olhar mais para o alto, para o horizonte, nossa cabeça mais leve facilita a decolagem do nosso olhar. Sonhamos, reavaliamos nossa vida, ficamos com a sensação de que tudo é possível, como qualquer criança sente todo dia.
Voltando à vida, as dores no pescoço que o peso da rotina proporciona vão baixando nosso olhar, que vai se limitando, vai ficando mais restrito, mais preocupado com o fim do expediente do que com o horizonte.
Olhamos mais para o chão, procurando buracos e poças na calçada para desviar e menos para cima, sonhando com mudanças que até ontem pareciam mais possíveis.
Sem perceber, lá se vai mais um dia, mais uma semana, o mês, o ano, alguns sorrisos fáceis, algumas gargalhadas sinceras. Por isso é que o tempo te leva e você muda, se esquecendo aos poucos.
Até que um cheiro, uma visão, uma foto, qualquer coisa que te faça lembrar de quem já foi realiza o transporte imediato para tempos que só existem ainda em você.
Você fecha os olhos e vê a velha rua, aquela onda que ainda não quebrou na praia, aquele castelo de areia que não se desfez, a bicicleta que você andava a tarde inteira encostada no muro de uma casa que nem existe mais, te esperando.
Os sons, os amigos, as horas de ócio feliz, quando não ter o que fazer não incomodava, mas pelo contrário, oferecia possibilidades de inventar sempre uma coisa nova. A areia sob os pés, o cheiro da grama molhada pela chuva, a lama, o suor de horas de futebol e correria, as brincadeiras de pique, as tardes com o sal ainda na pele, as primeiras trocas de olhares e os primeiros beijos.
Tudo parece tão vivo que você quase volta para lá de novo, de verdade, para o seu eu perfeito, para aquela união de pessoas, lugares e tempo que só existem na sua lembrança, mas que são tão reais que ainda podem te fazer sorrir e chorar e doer e sentir.
Mas pelo ali, menos dentro de você, o tempo não te vence.
2 Comentários:
"...e férias são o mais perto da infância que você chega na vida adulta...". Muito bom, pena que quando a gente é adulto, as férias servem para acertar as contas...
Esse texto ficou com um som poético. Gosto mais quando você é mais revoltado ou crítico, fica mais engraçado. Mas não concordo que o mundo mude todos, sempre existem as figuras que são imutáveis. Está ai como exemplo o Sergay...
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