Para que nossas crianças sejam crianças

Postado em 27 de mar. de 2013 / Por Marcus Vinicius Nenhum comentário

Quando eu era mais novo, lá por volta dos meus 20 e poucos, ouvia os mais velhos me dizerem que um dia eu ia querer "sossegar o facho", ou seja, ficar com alguém mais seriamente, curtir um cineminha a dois, um filme no sábado a noite, programas mais relaxantes, lugares menos cheios.

E do alto de minha sabedoria infinita que somente quem tem 20 e poucos anos possui, eu estufava o peito dizia que isso era impossível, que eu continuaria varando madrugadas na rua atrás de rabos de saia até beirar os 70.

O tempo, esse sacana, mostrou que eu estava errado e, naturalmente, sem ninguém mandar ou me dar "um toque", comecei a preferir exatamente o tipo de coisa que me diziam que eu ia gostar. Digo isso para explicar que a nossa "fase adulta", a tal maturidade, chega de mansinho com o passar dos anos e não por decreto.

Tudo bem que existem adolescências até aos 45 anos hoje em dia, mas dependendo de como, não vejo mal nisso, estes também verão o tempo passar e tudo mudar, tudo ao seu tempo.

E finalmente chego no assunto que me levou a pensar nisso tudo: o caso da menina Júlia Gabriele. Para quem não está familiarizado com mais essa recente produção da máquina de absurdos que é a internet (ou para quem ler este texto daqui a alguns meses ou anos e já não se lembrar mais de nada disso), Júlia Gabriele é uma menina de 11 anos que gosta de postar suas fotos no Facebook.

Até aí nada demais, visto que enquanto escrevo isto meninos e meninas a partir dos 8 já mexem na internet (qualquer dia haverá Wi-Fi para bebês no berçário), mas a Júlia conseguiu sobressair e ter seus famosos 15 minutos de fama (espero que ela possa devolvê-los no SAC da vida e receber o reembolso mais tarde, decentemente) porque suas sobrancelhas são "feias".

Isso mesmo. Algum macaco que aprendeu a operar o computador pegou sua foto, espalhou pela rede e pessoas ao redor da internet resolveram começar um verdadeiro linchamento virtual porque a menina tem sobrancelhas grossas, a famosa "monocelha", e porque não depila o local ao gosto da patuleia.

Teve de tudo. Seus pais sendo xingados porque a permitiram usar a internet, um lugar "impróprio para crianças" (como se fosse próprio para cretinos, canalhas e imbecis) e porque não a ensinaram a lidar com os padrões básicos de beleza (isso no país dos banguelas e daquelas sobrancelhas bizarras pintadas com lápis).


Prontamente um monte de "gente" invadiu seu perfil deixando mensagens grosseiras, enquanto isso, desesperada, ela implorava que parassem de fazer essas maldades, já que "nunca fez mal a ninguém". Seus apelos só açulavam ainda mais o apetite da turba de animais, que resolveu proporcionar à pequena um tour pelo mundo cão que existe nas cabeças ocas de 99,9% da humanidade atualmente.

De todos os absurdos, o que mais choca é essa abreviação compulsória da infância. Sapatos de salto alto para meninas de 7 anos, sutiãs com enchimento para crianças de 10, perguntas sobre "mulher gostosa" para meninos de 8, enfim, uma passagem para a adolescência na marra, tudo isso numa sociedade que, como dito acima, cultua adolescentes que beiram os 50.

Esse é o maior crime de nossos tempos: o assassínio da infância. Aos 11 anos, uma menina é exatamente isso: uma criança. Sua preocupação deve ser com bonecas, brincadeiras e amigos e não com depilação, maquiagem e manicure. Ela terá tempo suficiente para se preocupar com isso o resto da vida.

Ao se confrontar com essa afirmação alguns dirão: mas antigamente todo mundo amadurecia mais rápido. Sim, é verdade, mas antigamente se casava aos 17, era mãe aos 18 e por volta dos 40 quase todo mundo já era avô.

Nada mais normal numa sociedade em que pessoas de 70 anos são ativos e joviais que nossa infância seja preservada. Isso não quer dizer manter as crianças "idiotizadas", pelo contrário, mas permitir que o tempo faça o serviço e não nossas imposições sociais.

Um dos resultados dessa infância roubada, com meninas de 12 anos se preocupando com roupas e namorados, é que aos 15, 16, 17, 18, 19 (época disso) elas já serão mais ou menos "profissionais da adolescência", não vendo muito motivo para ir adiante e avançar tanto cronológica quanto mentalmente.

Vou ser mais claro: essa abreviação da infância hoje é que faz a adolescência entrar no cheque especial lá na frente, porque eles não vão aprender a amadurecer e sim ser empurrados para uma fase da vida para a qual não estão prontos.

Por isso, antes de dizer para sua filha que "brincar de boneca não é coisa de mocinha" e para seu filho que "está na hora dele sair por aí pegando mulher", enfie uma espiga de milho na boca e faça de conta que você é uma máquina de pipocas.

Aproveite que está com a mão na massa e coloque um desenho para eles assistirem.

Vamos cultivar nossos adolescentes de 45 anos numa boa, mas enquanto isso deixem a infância em paz. Ela não faz mal a ninguém, basta lembrar que provavelmente ela foi o melhor momento da sua vida.

Papai, como você conheceu a mamãe?

Postado em 20 de mar. de 2013 / Por Marcus Vinicius Nenhum comentário

Já quis saber algum dia como seus pais se conheceram? Um monte de gente (quase todo mundo) já perguntou tentou saber como foi isso.

Se durante uma brincadeira nos jardins da infância, uma festa cheia de cuba libre e whisky a go-go nos anos 50 ou 60, um festival flower power nos anos 70 ou se foi com ele oferecendo sorvete e perguntando "vai uma lambidinha?" e ela enfiando o sorvete na testa dele para logo depois se apaixonar perdidamente, não faltam histórias (e algumas delas bem legais).

Mas a verdade é que nunca saberemos ao certo se essas histórias são totalmente fiéis  realidade dos fatos, afinal, que mãe diria para uma filha, por exemplo, que só começou a namorar seu pai depois que disse para ele - que na verdade era afim da sua tia - que a irmã tinha herpes e clamídia?

O que diria então um pai, ao ter que optar entre contar que conheceu a sua mãe durante um sarau literário ou numa suruba regada a suco de groselha com vodka, ao som dos Beatles?

- Eu namorava outra moça, meu filho, mas fomos numa festa do cabide e ela fugiu com o Jorginho Cipó, aí como o namorado da sua mãe na época estava doidão fazendo amor com uma samambaia, eu aproveitei que ela estava bêbada e levei pra minha casa. Até hoje ela não notou a diferença.

Não dá, né? Mas se tivéssemos que contar as verdades hoje em dia, elas não seriam nem um pouco edificantes para o nosso bom nome também (ou não teriam a menor graça).

Atualmente os relacionamentos começam basicamente com ambos bêbados numa rave ou micareta (e sem condições de lembrar sequer o nome depois, quanto mais como tudo começou), através de encontros armados por um amigo do amigo do amigo (o famoso "bota na fita") e a grande maioria começa na internet mesmo.


E pouca coisa é tão sem graça quanto contar por aí que conheceu seu atual respectivo num site de encontros.

- Estava em casa num sábado, sem ter o que fazer, já tinha assistido a temporada inteira de Dexter, Game of Thrones e Sons of Anarchy, o YouPorn estava em manutenção, aí resolvi me inscrever no Par Perfeito e conheci sua mãe, que colocou uma foto fazendo bico de pato e mostrando o decote no perfil, foi assim.

Basta imaginar como são constrangedores encontros com gente que conhecemos na internet (aquela coisa de "vou com uma blusa preta e uma calça jeans", mas na verdade indo de bermuda florida e camisa do Vasco, só pro caso do outro ser feio e você poder fugir), para saber como não é uma coisa que acrescente muito ao seu currículo.

Tudo bem que bons relacionamentos podem surgir assim, mas a melhor parte deles certamente não é a forma como começaram.

Daí que atualmente se a sua filha te perguntar como conheceu a mãe dela, é mais jogo falar que estava andando na rua e um banheiro de uma estação espacial caiu bem na sua frente, com a sua atual esposa curiosamente lá dentro, como se fosse um "presente dos céus":

- Aí ela abriu a porta e me perguntou: tem papel higiênico?

Vai por mim: é bem melhor do que dizer que conheceu no "bang with friends" (trepe com seus amigos) do Facebook.

O bilhete premiado e a sabedoria ancestral

Postado em 6 de mar. de 2013 / Por Marcus Vinicius 1 Comentário

O nome dele era Bobby, um americano (ou inglês, ninguém sabia direito) que morava há tanto tempo no Brasil que todo mundo já o considerava mais um brasileiro brincando de ser gringo do que qualquer outra coisa.

Conservou algum sotaque, é lógico, mas de resto, bem pouco. Vivia com sua esposa num sobrado acima de um misto de lavanderia para turistas e casa de câmbio que mantinham, e possuía o hábito de chamar todo mundo com quem conversava de "boy" ou "my friend", o que só reforçava aquela impressão de brasileiro brincando de gringo.

Sempre tinha alguma história ou lição pra contar, como se fosse uma espécie de Mestre Miyagi misturado com bêbado de pub, coisas do tipo "no céu não deve ter cerveja, por isso vamos beber toda que pudermos enquanto estamos por aqui" e coisas do tipo.

Um dia ele estava sentado numa cadeira de praia na frente da lavanderia, fumando um charuto e um chapéu panamá (mais uma coisa para reforçar a idéia de brasileiro se fingindo de gringo, ainda que o seu bigode ruivo desautorizasse um pouco essa teoria) e passou um vizinho que sempre trazia no rosto aquela felicidade que chega a irritar no formato de um sorriso babaca, mas que curiosamente estava mais sorumbático do que torcedor do Palmeiras no século XXI.

- Olá, my friend, o que você tem hoje?

- Ah, meio chateado, problemas no casamento, sei lá, rotina, essas coisas, qual o seu segredo para viver sempre bem, hein?

- Ah, boy, quem me dera viver como os outros pensam que eu vivo, preferia viver como eu penso que vivem os outros, mas você quer mesmo saber o segredo?

- Quero sim e desenvolve bem, porque não tô afim de chegar em casa cedo.

- Veja eu e a patroa, vivemos consertando a relação que nem carro velho. Lanternagem aqui, fazer motor ali, trocar uma correia, não tem jeito, o uso desgasta.

- Se desgasta...


- Mas então, já teve uma época em que ela mal me olhava. Eu chegava perto dela com aqueles decotes que eu acho lindos, com aquele cheiro que eu me acostumei, abraçava, beijava e nada, parecia que eu não tinha mais o clima da coisa.

- Mas e aí?

- E aí, boy, resolvi dar a ela o que ela me dava. Pouca coisa funciona tanto quando fazer ao outro o que você não gostaria que ele fizesse contigo, mas que faz do mesmo jeito. Comecei a ignorar também, a me segurar para não cheirar o cabelo molhado quando saía do banho, a não procurar nada além daqueles apertos de mão com sabor de canja de galinha sem sal que ela me dava, dormi no sofá uns dias fingindo que adormeci enquanto via TV.

- Deu certo?

- De início não, mas eu continuava o mesmo, entende, my friend? Aquele por quem ela se apaixonou ainda estava ali. Uns anos mais velho, claro, mas o mesmo. O mesmo cabelo, a mesma voz, as mesmas piadas, o mesmo mau-humor seletivo, o mesmo beijo, o mesmo eu. Se ela gostou um dia, ia gostar de novo, bastava sentir um pouco de falta.

- Claro, claro, só se dá valor ao que se perde.

- E aí ela veio se chegando, querendo mais do que um aperto de mão, mais do que um beijo, mais do que só um amasso.

- E aí você se vingou, né? Quer dizer, finalmente deu o troco e desprezou de vez pra fazer ela rastejar.

- Você rasgaria um bilhete de loteria premiado, só porque já jogou 300 vezes antes e nunca ganhou, boy?

- Claro que não.

- Então, o que queria eu já tinha conseguido, estava no deserto, apareceu uma cerveja, vou reclamar porque deveria ter vindo uma garçonete do Hooters junto?

- Pensando bem...

- Não pense demais, se nesse campo pensar fosse mesmo tão bom, não tinha tanto intelectual cheio de dor de corno por aí.
 
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