Tapa com luva de pelica

Postado em 12 de mai. de 2010 / Por Marcus Vinicius

Já ouvi essa expressão umas mil vezes, você provavelmente também. Não tem nada a ver com o bíblico "dar a outra face", mas com responder a uma cretinice que fazem contigo com outra cretinice, só que supostamente educada.

Eu sou meio cético pra essas coisas, eu acredito no palavrão. O palavrão, ainda que socialmente condenável, libera tensões. Uma pessoa que fala logo um quanto está irritada tem menos chance de pegar um fuzil e dizimar o público de uma filial do Mc Donald's numa tarde qualquer.

Cordialidade cínica é pior do que grosseria, porque ainda por cima é mentirosa.

Você está numa festa com sua namorada, uma prima dela metida a besta começa a fazer comentários desagradáveis sobre a roupa que ela está usando, sobre o penteado dela e até sobre aquele concurso que ela não conseguiu passar.

Você sabe que as duas não se dão bem desde que uma arrancou a perna da Barbie da outra quando tinham 6 anos. Sua namorada teve uma educação castradora, dessas que dizem que é feio soltar um "pqp!" até quando damos uma topada na mesa de centro e por isso fica ali, ouvindo as idiotices quieta. Com certeza ela vai chorar de raiva em casa mais tarde e estragar a noite que você preparou com tanto esmero, comprando calcinha nova pra ela e até cortando as unhas, o que você faz?

Vai ser superior, pedir licença e fazer um comentário homo-fashionista no estilo "esses sapatos que você está usando são tããão verão passado"? Ou vai mostrar porque você não nasceu ectotérmico e falar algo do tipo "Porque você não faz bronzeamento artificial e vai trabalhar como cover da Preta Gil? Sua fdp?!".

Sim, será um barraco. Mas ao invés de você passar uma semana pensando nela, no que poderia ter respondido e no que ela merecia ter ouvido, será ela que vai passar uma semana sem te tirar da cabeça, com a sua cara feia engasgada na mente até na hora de ir dormir.

Não acredito muito em convivência forçada, nessa história de gente que "se atura" e fica dando alfinetada uma na outra. Ao contrário da maioria das pessoas, eu duvido muito do caráter de alguém que ouve um monte de ofensas, diretas ou veladas, e não manda o outro tomar num lugar bem feio, relacionado à profissão de um médico temido por homens de meia idade.

Essa obsessão pelo controle de emoções, tão anti-latino, virou febre de uns tempos pra cá. Não é mais bonito pagar mico por amor, escrever cartas melosas e ter arroubos de ciúme. Atualmente o admirável é ser informado sobre um chifre pelo próprio parceiro, de preferência sentados num café, e perguntar logo depois "o (a) outro (a) é boa gente?".

Se o passional demais assusta, o passional de menos oprime.

Viver de verdade é estourar o limite do cartão, é dever ao cheque especial. Não se iluda: o amor é um jogo de "perde,perde", assim como a vida também é, mas de vez em quando ganhamos uma aqui e outra ali, e é por isso que tudo vale a pena.

Quem briga de uma vez, faz as pazes de uma vez. Não fica aquele azedume pairando, aquela intolerância a conta-gotas, acumulando-se até virar uma ironia mais grosseira do que um xingamento. Porque quando você chama alguém de "fdp", você não quer ofender a pessoa e nem a digníssima mãe dela, você está desabafando, é quase uma ofensa de domínio público. Todo mundo é, já foi ou ainda será "fdp", é da vida.

Mas dizer coisas que atingem, que ferem de verdade, mesmo sem usar de espressões grosseiras, é muito mais mal-educado. Elegância é saber o que machuca o outro e não usar isso nem na hora da raiva. Melhor proferir generalidades, desabafar, fazer as pazes e seguir adiante. Esquecer xingamento é fácil, difícil é apagar as verdades da memória.

Por isso a minha teoria é simples: se for pra dar tapa, que seja com luva de boxe. Melhor depois dar pontos no supercílio do que na alma.

8 Comentários:

Unknown postou 12 de maio de 2010 às 10:35

Existem pessoas e situações que merecem a intensidade de nossas emoções.
E têm aquelas que merecem a ignorância. Afinal de contas, tenho que armazenar energia pra quem realmente vale à pena.
O complicado é identificar qm realmente merece a bronca, o conselho, o esporro, o carinho, as verdades... Uma hora a gente acerta.
Mas aprendi que não vou mais no Mc Donald's a tarde. rss...

Ana Ferrero postou 12 de maio de 2010 às 10:38

Já lí alguns textos teus, todos excelentes.
Mas esse francamente é um dos melhores, Marcus Vinícius.
Sigo o teu blog.
Parabéns, gato gatuxo.
Ana Ferrero
_AnaFerrero_

@twittuka postou 12 de maio de 2010 às 12:28

Excelente texto! Concordo muito com ele. Eu sou absolutamente passional, quando algo me aborrece, já solto logo uns palavrões, dou um piti, brigo, xingo, digo tudo o que penso, ofendo às vezes, mas me livro daquilo e não guardo mágoas. Se precisar pedir desculpas pelo exagero das reações eu peço sem problemas. Mas no dia seguinte não lembro mais daquilo. Mas se tento me controlar, bancar a dama, fico remoendo aquilo dias, sem poder mandar ninguém à merda porque já passou da hora e ficaria fora de contexto. Prefiro perder um amigo dizendo umas verdades do que conservá-lo com mentiras bem educadas.

Danilo B. postou 12 de maio de 2010 às 12:31

Que texto fofuxo! Hahahaha

Assino embaixo. Ficar engolindo sapos é uma das piores coisas da vida.

Ju Whately postou 12 de maio de 2010 às 15:28

Putz! Amei! Exatamente eu. Nada substitui um bom palavrão. Claro, tb peço desculpas se preciso.

O ÚNICO lugar em que é necessário engolir uns sapos, muitas vezes gigantescos, é no trabalho...

Por isso que o jogo de cintura é, sim, necessário. Caso não queira perder o emprego e não seja autônomo ou dono, não dá pra mandar o chefe tomar naquele lugar. Infelizmente.

Nesses casos, adoro uma bela ironia! Até pq, ela tem que ser inteligente ao ponto do seu chefe não entender e te mandar pra rua da mesma forma hahaha!

Vinícius postou 13 de maio de 2010 às 13:10

ótimo post! inclusive relaciono com a passagem bíblica em que Jesus (acho rs) diz que é pecado ofender o outro. Dessa forma, muita gente deixa de falar palavrão por achar que, fazendo assim, não está ofendendo, e usa desse tipo de ironia agressiva. O mundo é assim por causa dessa moralidade besta.

Daniel Wander postou 14 de maio de 2010 às 04:55

Na arte marcial que pratico isso chama-se IRIMI!

Significa entrar cortando... não há nunca uma segunda chance em uma luta... ou você entrar e corta ou lhe cortam!

Muito bom post!

Lucia Valle postou 21 de abril de 2011 às 09:40

Motta, AMEY!!! Como sempre!! Tô publicando também, com o endereço do seu blog e sua autoria: http://remendosdeideias.blogspot.com/2011/04/tapa-com-luvas-de-pelica.html

 
Template Contra a Correnteza ® - Design por Vitor Leite Camilo