Pacote "Pobreza Inesquecível" - 8 dias e 7 noites - Café da Manhã e cachaça incluídos

Postado em 14 de dez. de 2010 / Por Marcus Vinicius

Ah, o Rio de Janeiro! O Rio-de-Ja-ne-iii-ro!

Temos aqui o turismo favela. Além do brasileiríssimo turismo sexual, sabe como é, aqueles gringos que vem para cá arrumar namoradas de 30 reais, no Rio tem o turismo favela.

O cara compra um pacote com direito a ver pobreza na Rocinha, palafitas na Maré e lixões a céu aberto em Caxias. Rico acha pobreza exótica, nobre, romântica. Só pobre é que acha pobreza uma merda mesmo.

Sobe num jipe, sacoleja durante duas horas, sobe vielas, tira fotos, finge que acha o batuque dali diferente do batuque do ensaio de escola de samba da noite anterior e depois, claro, volta pro seu ar-condicionado antes de pegar o avião de volta pra civilização. É quase como um safari, só que nesse caso ele não atira em leões (mas espera ver alguém abatido no caminho).

O pacote básico provavelmente envolva só mesmo a visita, mas por alguns reais a mais você deve poder optar por um passeio de blindado até uma zona de conflito, ratazanas em tamanho real, acesso à rede wi-fi no morro Dona Marta e como brinde, chaveiros feitos com capsulas de fuzil deflagradas.

Não sei da existência de viagens semelhantes para a Faixa de Gaza, mas se ainda não tem, deveriam criar, porque o filão tem bastante saída.

Esse pessoal vem pro Brasil em busca do que não tem na terra deles, ou seja, desenvolvimento, uma temperatura mais amena, cultura de melhor qualidade. Logo, não adianta levar um gringo pra ver uma ópera no Municipal, porque isso tem aos montes na terra dele e muito melhor.

Eles vem pra cá ouvir batuque, ver favela, pobreza, beber cachaça, andar debaixo de sol num calor de 40 graus e depois voltar pras suas terras, porque afinal de contas ninguém muda pro parque de diversões só porque foi na Disney.

É por isso que quase ninguém - existem exceções, é claro - propõe que se ensine violino para garotos pobres de favela. Eles os ensinam a bater lata, fazer funk, rebolar até o chão, como se isso eles já não fossem aprender por osmose.


Para quem não precisa conviver com essas coisas diariamente, é muito mais peculiar mostrar um barraco com 300 crianças descalças dentro do que um bairro com gramados na frente das casas. É como olhar por cima do muro para espiar a mulher do vizinho e dar de cara com uma sósia da sua esposa ali.

Alguns gostam tanto que até ficam, mas e daí? Não existem americanos que se unem ao Talibã? O comum é que voltem para casa, no conforto de suas cidades bem servidas, contando suas experiências transcendentais que o contato direto com a miséria causou, mostrando as fotos dos garotos com o nariz escorrendo e colocando 10 euros por mês para alguma ONG no débito automático do banco. Estão fazendo sua parte.

Gringos são quase como moradores da Barra da Tijuca. Complexo do Alemão? Vila Cruzeiro? Que nada, na Barra da Tijuca você sempre está em Miami (com o pequeno detalhe de que Miami não deve ter aquele trânsito de Marginal Tietê que a Barra exibe).

Na Barra as pessoas compram pão na "bakery", remédios na "drug store", carnes no "butcher" e para completar, têm sua própria réplica em tamanho gigante da Estátua da Liberdade, num shopping chamado "New York".

O problema é que passam pelo resto da cidade para ir e voltar do Centro ou da Zona Sul e, diferente dos gringos, quando voltam pra casa, continuam no Brasil.

6 Comentários:

Camila França postou 14 de dezembro de 2010 às 06:55

Sempre me senti incomodada com a oferta dos cursos oferecidos pelas ONGs nas comunidades: biscuit, bordado, costureira, manicure,cabeleireira, pedreiro, marceneiro, percussão enfim. Nunca vi algo do tipo: empreendedorismo, rotinas administrativas, logística, cinegrafista, "mananger", técnicos de informática, enfermagm e de segurança do trabalho, secretáriado ou violino clássico. Nada contra as profissões que exigem menor grau de instrução - acho dignas, mas oferecer apenas estes cursos é segregar a pobreza na vida destas pessoas. Ninguém quer passar pela janela, mas oferecendo as mesmas ferramentas de trabalho todos poderão disputar em grau de igualdade.

Anônimo postou 14 de dezembro de 2010 às 07:18

Ei Marcus !!
Não adianta querido quem tem sangue de brasileiro, será sempre de terceiro mundo, mesmo que esteja na Barra da Tijuca passeando no New York, comprando baguette na bakery. Somos latinos e lá fora vistos com desprezo. Sorte de quem consegue sair desse bueiro que é o Brasil. Só é exótico pros olhos dos gringos que vivem na perfeição.


bjs

Isabel postou 14 de dezembro de 2010 às 09:37

Já vi muito projetos de música clássica e balé em favelas, isso nem é novidade. Talvez não existam mais projetos culturais como estes por falta até mesmo de interesse do público. Mal ou bem, eles curtem pagode, funk e boquinha da garrafa. Sobre turismo em favela, os gringos adoram um churrasquinho na lage, deve ser mesmo algo de outro mundo pra eles, rss.

Anônimo postou 14 de dezembro de 2010 às 11:00

Eu moro na barra. :O

Unknown postou 14 de dezembro de 2010 às 14:25

Nem vou comentar o que vc já disse, completo e perfeito como sempre, mas complemento com algo que vejo muito aqui no sul, durante o inverno, caravans de turistas vindos do nordeste ou mesmo de lugares como o Rio, pra curtir um friozinho na serra gaúcha. Curtir um friozinho o cacete! Vem morar aqui pra ver o que é bom, ter que levantar pra trabalhar as 5 manhã e sair pra rua vestido igual uma cebola, com camadas e mais camadas de roupa, sentir a ponta do nariz congelar assim como pés e mãos.
É assim que funciona, turista quer ver de perto o que desconhece, e depois voltar para o seu conforto.

Abraços

alice postou 20 de dezembro de 2010 às 08:49

até concordo com oq o tuka disse de "turista busca o diferente", pq a gente sempre está insatisfeito com oq tem, mas torrar num calor de 43 graus não é "voltar pro conforto", não...

 
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