Um diamante só vale muito porque é raro. Se chutássemos diamantes andando pela rua eles custariam o mesmo que brita e seriam vendidos em metros cúbicos, transportados num caminhão. Uma gostosa de barriguinha sarada só é uma gostosa de barriguinha sarada porque é difícil ser uma gostosa de barriguinha sarada.
Você precisa se abster de comer coisas que são gostosas (mas engordam) e se alimentar basicamente de grãos, alface e clorofila, além de malhar todo dia. Se todo mundo nascesse com a tal "barriga chapada" e fosse difícil arrumar uma pança prodigiosa, provavelmente as pessoas passariam as noites comendo Cheetos na frente da TV e a Playboy se chamaria Play-boi.
Tudo bem, o trocadilho foi ruim, mas acho que já deu para perceber qual é a idéia aqui: mostrar que só o que é raro é valorizado, custa caro e vira objeto de desejo.
Percebi isso quando entrei numa loja de roupas num desses mercados populares e disse à vendedora:
- Bom dia, vocês vendem camisetas brancas?
E ela:
- O Senhor não é daqui, né?
Perguntei o porque e ela disse:
- Muito educadinho, me deu "bom dia" e tudo, isso é coisa de turista.
Fiquei mais chocado do que lisonjeado, porque não deixa de ser meio assustador viver numa cidade onde um mínimo de boa educação seja considerado algo raro a ponto de merecer um comentário.
Mas depois disso (e só por isso, com certeza) passei a prestar mais atenção nesse tipo de coisa, tanto na reação dos outros ao ouvir um "por favor" ou "obrigado" quanto na quantidade reduzida de gente que utiliza desse tipo de, digamos, vocabulário para o seu dia a dia, e confesso que a vendedora realmente tinha razão: o "bom dia" é o nosso diamante, o nosso abdômen sarado.
Lembrando uma imagem que circulou bastante pela internet, de um cartaz numa lanchonete na Europa onde se lia: "um café: 2 euros", "um café por favor: 1,5 euros" e "bom dia, um café, por favor: 1 euro", dá pra imaginar que na cotação educação-cafezinho os brasileiros pagariam algo em torno de 10 a 15 euros por uma xícara.
O normal por estas bandas é responder a um "boa tarde" - que algum herói da resistência da polidez diz no elevador - simplesmente com alguns grunhidos, é passar pelo sujeito que acabou de abrir a porta para você e não dizer nem um mísero "valeu", é dar a vez para alguém e notar que a pessoa simplesmente continuou conversando no celular como se você não tivesse feito nada além da sua obrigação, sem ao menos levantar aquela mão espalmada igual índio de filme de caubói e dizer "hau!".
Quando a relação se dá com prestadores de serviço então é mais grave. Uns, os clientes, fazem questão de agir como se a palavra "serviçal" já não tivesse uma carga negativa suficientemente forte e tratam as pessoas como serviçais literalmente:
- Boa tarde Senhora, seja bem vinda ao Mercadex, o que a Senhora deseja?
- Um quilo de queijo.
Assim mesmo, a seco, sem nem um "porfá".
Mas o problema é que o contrário também acontece (e eu já passei por isso algumas vezes). Você entra no estabelecimento e por alguma razão qualquer está de bom humor (não que boa educação necessite de bom humor, mas com certeza ajuda) e resolve compartilhar um pouco daquele seu sentimento "mundo de pelúcia" com o balconista:
- Boa tarde, meu camarada, tudo bem? Por gentileza, vocês têm sorvete de menta?
- Não.
- E quais sabores tem, por favor?
- O que tem tá ali escrito na placa, vai querer ou não?
A vontade nesse momento é entrar naquele hype de interação humana pós-apocalíptica dele e dizer "quero sim, quero que você vá para a puta que pariu".
Pedir desculpas, que já não é algo muito fácil de fazer normalmente, fica ainda mais difícil. Se te dão uma topada, derrubam cerveja em você ou jogam acidentalmente uma lata de refrigerante na sua cabeça ao invés da lixeira, a reação mais comum será algum palavrão, algumas risadinhas ou o silêncio. Nada de desculpas. Jamais. Não existem mais brasileiros equivocados no mundo, todos estão sempre certos em tudo, mesmo se tiverem acabado de urinar no seu pé, no meio de uma calçada.
É a aposentadoria quase definitiva do "bom dia, boa tarde e boa noite" e também dos "obrigados", "por favores" e "com licenças".
Agora se você quer passar por alguém que está na sua frente basta avaliar se ele é grande o bastante para te dar uma surra depois, se não for, é só empurrar e passar correndo. Pronto, nada daquelas chateações e demoras que a delicadeza exige.
Não sei bem quando começou essa dominação da falta de educação sobre o nosso cotidiano. Se é culpa da modernidade, do calor dos trópicos, da sociedade sempre preocupada em fazer tudo correndo e em não perder tempo com coisas supérfluas, mas fica sempre essa sensação de que viver em sociedade atualmente é como estar trancado num quarto com um gorila irritado, ou seja, você nunca sabe o que pode acontecer no minuto seguinte, só sabe que provavelmente não vai ser nada muito legal.
Mais educação, pessoal, por favor.
1 Comentário:
ÓTimo texto, como sempre, descreve muito bem a boa educação e jeitinho brasileiro de ser.
Postar um comentário