Tem gente que não gosta de barulho, que detesta lugar cheio, que fica de mau humor se sentir calor. Tem quem não goste de quem cutuca, de engarrafamento ou de filme francês.
Cada um tem suas preferências e muitas vezes a gente nem as escolhe, elas simplesmente vêm de fábrica. E dentre as muitas pessoas que sofrem por ter sentimentos incompreendidos estão as que não gostam de cachorro, as que não gostam de chocolate e as que preferem gatos, nessa ordem.
Só que alguns comportamentos mereciam salvo-conduto perante a condenação geral, as reações exacerbadas e a reprovação colérica. Como disse aí em cima, certas coisas são originais de fábrica, já vêm com a gente desde o nascimento e, portanto, são mais fortes do que nós.
Nosso humor quando estamos com fome, por exemplo, é um desses.
Veja bem, não estou falando daquela fome que vemos pela TV na Somália ou na Etiópia, aquela fome que tira tanto a dignidade que, como dizia Nelson Rodrigues, o sujeito pode levar até um tapa na cara que não vai reagir. Essa fome é "casta e mansa, não ama e nem odeia".
Falo daquela fome pré-Burger King ou pós-praia-indo-pra-churrascaria. Aquela fome que não ama, mas que certamente odeia.
Esse tipo de fome é capaz de transformar uma pessoa com o temperamento de uma carmelita de pés descalços num daqueles personagens vingadores do Clint Eastwood.
Por isso não é muito difícil acompanharmos de perto cronologias parecidas com essa:
10:30 - "Depois de um delicioso café-da-manhã, vamos passear para conhecer Paris".
11:00 - "Como Paris é linda, pessoas bonitas, jardins floridos, um metrô eficiente, bistrôs lotados, a Torre Eiffel".
12:00 - "Já visitamos dois museus, fomos a uma galeria, tiramos fotos de flores e estátuas, nos divertimos vendo as crianças correndo nas margens do Sena, tudo perfeito".
12:40 - "Disseram que vendiam baguetes por todos os lados, mas até agora não vi nenhuma".
13:35 - "Fomos ao Louvre, gostei da pirâmide de vidro, achei a tal da Monalisa OK, infelizmente a cafeteria estava fechada para reforma".
14:10 - "Tomamos o metrô rumo a Saint-Lazare e depois um trem para ir nos Jardins de Monet, o metrô é eficiente mas parece que ninguém que anda ali toma banho, desejei ser uma vaca para pastar aqueles jardins".
15:40 - "Agora vamos em outro museu não sei de quê e nem pra quê, mas vamos visitar mais essa merda, acho que esse povo aqui perde tanto tempo construindo museus que esquecem das porras dos restaurantes".
16:00 - "OK, agora chega, quero voltar pro Brasil, lá pelo menos tem a Feira dos Paraíbas e eu posso comer buchada de bode até explodir".
16:15 - "Já mandei minha companhia de viagem tomar no cu, a guia turística para a merda e estou deitado no meio da pista da Avenida Champs Elysees em protesto. A polícia chegou, já ligaram pedindo para a minha mãe tentar me convencer a sair daqui, mas só levanto dessa bosta se me derem pelo menos um croissant".
17:00 - "Finalmente me deram croissants, tarteletes, coq au vin e até aquela nojeira de escargot (que eu comi com gosto), não sei porque, mas voltei a achar Paris tão linda, com pessoas bonitas, jardins floridos, um metrô eficiente, bistrôs lotados, a Torre Eiffel".
17:10 - "Acho que já pedi desculpas para todas as 378 pessoas que ofendi, mas também, quem manda elas não terem um pedaço de pão com manteiga quando mais se precisa dele?".
3 Comentários:
Hahahaha, genial! Me identifiquei demaaaais!
Marcus, se você fôsse atirador a humanidade estaria perdida! Divertido e contextual. Parabéns!
Em tempo: onde se lê "atirador" leia-se "jogador". Afinal em tempos de terrorismo certas palavras soam preocupantes. A isso chamo de castração da língua. Até a próxima!
Nem me fale, estão castrando e lobotomizando a língua.
Beijos!
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