Carpideira do Asfalto

Postado em 7 de jul. de 2010 / Por Marcus Vinicius

Carpideira é uma profissional feminina cuja função consiste em chorar para um defunto alheio.

Isso mesmo, tem gente que chora pra rir. Essa tradição portuguesa veio para o Brasil com a colonização e até hoje ainda existe quem a pratique (conta-se que uma carpideira ganhou R$ 300,00 para chorar no velório do Clodovil).

Só que tem gente que faz isso de graça, quase por prazer.

Eu tenho uma tia que, para mim, era a representação exata do pavor. Não, não era uma pessoa ruim, era dessas de quem se diz ser solidária, prestativa, um amor de pessoa. O problema é que não se podia contar com ela para ajudar a enrolar um brigadeiro para festa, para arrumar um salão de baile ou mesmo para fazer uma limonada para um lanche no domingo.

Não.

Ela gostava mesmo era de doença, morte, desgraça. A cada vez que alguém morria ou ficava muito doente, sim porque ela não era chegada numa simples gripe ou crise de bronquite, o negócio dela era doença braba, lá estava a minha tia, rosto solene, gestos controlados, pronta para acender uma vela ou administrar algum paliativo.

Então, toda vez que eu via essa tia na casa de alguém já me desesperava, porque sabia que boa coisa não era. O pior é que uma pessoa assim, dessas que "estão sempre do lado dos outros nas horas ruins", merece o amor de toda a família, é ou não é?

E eu a amava sim, claro, mas morria de medo da sua presença. Nem sei porque estou contando isso, estava pensando nessa história e achei que daria um assunto interessante.

Se bem de que pensando bem, eu sei porque estou contando isso. Não faltam pessoas assim pelo mundo afora. Basta um carro bater que já surgem logo alguns personagens típicos destas cenas: o ex-estudante de medicina, que vai lá conferir o pulso, perguntar detalhes para os envolvidos, o aspirante a policial, que fica mandando as pessoas se afastarem e fingindo que controla o trânsito e as carpideiras do asfalto, que parecem já andar com uma vela na bolsa e um lençol para cobrir um possível defunto com que venham a se deparar durante o dia.


Pode parecer exagero - e nem deixa de ser, de certa forma - mas esses são personagens reais, assim como os sempre solícitos "curiosos", aqueles que ficam em volta perguntando coisas do tipo "E aí?Já morreu?", "Será que estava bêbado?", "Quem tinha razão?".

Eu, pelo contrário, tenho verdadeiro pavor do sofrimento. Se vejo um acidente, viro o rosto, se leio uma notícia ruim no jornal mudo a página, prefiro ver as pessoas no seu estado mais jocoso do que taciturno, coisa minha.

E isso me leva a não entender de forma alguma essa verdadeira obsessão que as pessoas tem pelo desastre, pela desgraça. Junta-se 50 brasileiros em 5 minutos para admirar uma chacina, mas é quase impossível fazer o mesmo, no mesmo espaço de tempo, para qualquer outra coisa que não seja um jogo de futebol, bloco de carnaval e revista de mulher nua.

Fora esses amigos que sempre chegam perto de nós quando estamos por baixo. Ficam ali perguntando "O que você tem, me conta!", "Perdeu o emprego?", "Brigou com a mulher?", "Problemas em casa?", "Diz aí, vai, diz!". A gente fica sem saber se querem ajudar ou se querem, contentíssimos, acender uma vela do nosso lado, agora que estamos ali reduzidos a defuntos vivos. Amigo mesmo fica por perto, esperando quando e se for chamado.

Só sei que, das duas, uma: ou eu sou uma pessoa realmente esquisita por viver quase o tempo todo de mau humor mas ainda assim preferir assistir a felicidade do que a desgraça alheia, ou então o pervertido sou eu.

5 Comentários:

Homem dos Dados postou 7 de julho de 2010 às 10:09

Tbm não tenho o menor fascínio em desgraças. No máximo me informo pra não passar de desinformado, e tento levar essa má informação pra um lado bom, como não cometer o mesmo erro ou evita-lo, e se acontecer eu estar mais preparado.

Ju Whately postou 7 de julho de 2010 às 13:50

Além de não gostar, fico P da vida qdo começa uma lentidão do nada no trânsito, aí vc pensa: "nossa, deve ser acidente...". Aí vc vai, vai e qdo chega, o acidente é DO OUTRO LADO DA PISTA!!!

E td mundo diminuindo só pra admirar... ahh, que isso!

André Luís postou 7 de julho de 2010 às 17:56

O ex-estudante de medicina, o aspirante a policial, as carpideiras do asfalto; Parece que surgem da terra. Atrapalharão sempre! Darão informações erradas, e opiniões baseadas em suas experiencia em novelas. O pior é que eles acreditam que estão ajudando, que merecem ir para o céu.

Helen De Rose postou 9 de maio de 2011 às 05:44

Encontrei seu blog, procurando por carpideiras...rs. Adorei esse texto. Minha vó materna, não era carpideira, mas adorava dar banho em defuntos...rs. Sempre que morria alguém na cidade, como não tinha funerária ainda, chamavam minha vó para preparar os defuntos. Acho interessante essas pessoas que tem uma certa afinidade com funerais. Até mais ler...

Anônimo postou 10 de maio de 2011 às 17:34

Olha, eu por acaso também vim à procura de artigos sobre carpideiras, e estou em portugal há 11 anos, e sei de experiencia própria que nos meios pequenos é como vc descreveu em cima: ainda mais, há sempre aquelas pseudo-beatas a querer saber quem é o defunto, basta ir a vitrine da funerária pra saber qual é o "pão quente"(expressão minha, slvo seja) que saiu do forno.Depois, é só ir ao velório levantar o paninho da cara do fulano pra se certificar"é esse mesmo o cara".

 
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