Nossas escolhas

Postado em 1 de dez. de 2010 / Por Marcus Vinicius

"Seu" Paulo é torcedor do Flamengo, "Seu" Olavo é torcedor do Vasco, "Seu" Luiz é torcedor do Botafogo e "Seu" Manoel torce pelo Fluminense. A primeira estranheza é essa, um Olavo torcedor do Vasco enquanto um Manoel é tricolor.

Quando resolvem falar de futebol, cada um é uma enciclopédia mais infalível que o outro:

- Lembra aquela final que o Vasco ganhou com um gol do Cocada?

- Não era Cocada, era Cuscuz.

- Que Cuscuz nada! Era Cocada mesmo...você entende muito é daquele paraguaio, o Juancito!

- Romerito, Juancito foi aquele que jogou no Botafogo junto com o Túlio Maravilha...

- Nunca teve Juancito no Botafogo, no máximo tem um Loco Abreu.

- Nem quero saber, meu negócio mesmo é o Zico e o time de 81.

Entre confusões naturais e gozações futbolísticas, todos eles realmente tinham excelente memória (ou quase), isso porque é quase certo que nenhum deles saiba o nome do sujeito no qual votou para deputado.

Dizem por aí que o brasileiro tem memória curta, mentira. Experimenta dever dinheiro pra alguém e veja se nossa memória é mesmo curta. Nossa memória é seletiva e muito mal programada.

Certas coisas um homem tem a obrigação de lembrar. Seu endereço, seu telefone, sua identidade e o nome do primeiro amor. O resto a gente escolhe.

Uma pesquisa recente mostrou que mais de 20% dos brasileiros não conseguem lembrar o nome do deputado em que votaram na última eleição. Mas note que esta pesquisa foi realizada apenas um mês após a eleição, o que me leva a pensar que daqui a mais um mês esse número possa ser 40% ou quem sabe até 50%.


Em dois anos talvez existam mais brasileiros que saibam cantar de trás para frente do hino do Japão do que os que saibam o nome do "seu" deputado estadual, federal ou senador.

E isso transforma o Congresso numa espécie de massa amorfa de sem-vergonhas. São os "ladrões", os "corruptos", os "canalhas", os políticos. Tirando um ou outro que se empenha mais em aparecer num escândalo de maior proporção, todos ali tem mais ou menos a mesma feição perante o resto do país: são "eles".

"Eles não ligam para a gente", "eles só querem saber de roubar", "pra eles a coisa nunca está ruim", "eles vivem na maior mordomia às nossas custas".

Fala-se de políticos em bares, filas de banco e almoços de domingo como se fossem personagens de uma novela da televisão, uma história de ficção que está desconectada da realidade.

O brasileiro decora mais facilmente um bordão televisivo, uma piada, nomes de personagens de novela ou uma letra de axé - se bem de que decorar letra de axé não é tarefa que exija lá grande quantidade de neurônios - do que guarda o nome da pessoa que irá representá-lo na Brasília-Maravilha durante pelo menos quatro anos.

Tudo bem que não são pessoas exatamente agradáveis de se pensar diariamente, mas até no futebol - essa paixão do país monoesportivo - a gente faz questão de lembrar da derrota de 82, do penalty que o Sócrates perdeu em 86, do passe do Maradona para o Caniggia em 90 que afundou aquela Seleção do Lazaroni, da borboletada do Marcos jogando pelo Palmeiras no Mundial de 99.

Se dizem que todo brasileiro é um técnico de futebol, todo brasileiro também é ou será eleitor por força de lei. Talvez seja essa a diferença: ninguém obriga o outro a assistir um jogo, mas depois de certa idade todo mundo é obrigado a ir lá exercer o que chamam de direito.

Durante muitos anos eu só acompanhei jogos de tênis. Conhecia o Ivan Lendl, Boris Becker, John McEnroe e nunca mais esqueci as pernas da Steffi Graff. Futebol não era a minha nesse tempo e se você me perguntar quem era o goleiro da Seleção naquela época, não saberei responder nem se você me oferecer uma boa grana pra isso. Essa era minha escolha.

Assim como escolho ir votar em cada eleição, sei o nome do "meu" deputado, observo sua atuação e faço questão de não maltratar a urna dali a quatro anos.

E talvez a urna só não seja mais maltratada no dia em que todos os brasileiros puderem optar entre a praia e a urna, o pagode e a urna, a micareta e a urna, o nada e a urna.

E cada um continue lembrando do que bem quiser.

4 Comentários:

Anônimo postou 1 de dezembro de 2010 às 10:09

Eu lembro em quem votei: ninguém. Anulo mesmo.

Isabel postou 1 de dezembro de 2010 às 10:18

Muita gente não leva a sério as eleições, e depois fica reclamando da vida...

Adriana Lima postou 2 de dezembro de 2010 às 03:42

O grande problema é que não somos um país engajado, que luta e quer saber realmente o que "eles" estão fazendo, quando na verdade "eles" são nada mais que os "nossos" representantes. Acho que a raiz da questão é que aprendemos desde cedo que política é muito chato, e quando alguém abre a boca para comentar qualquer coisa sobre o tema, todo mundo começa a se afastar com aquela cara de tédio.
Por isso eu sempre digo: não adianta ficar reclamando depois, tem que ter consciência na hora de votar!

Unknown postou 9 de dezembro de 2010 às 06:34

Acredito firmemente que nós, brasileiros, não temos escolhas. Vivemos numa pretensa democracia, somente os "engajados" são candidatos, com raras exceções...
Como memorizar nomes que odiamos e tememos? A própria psicologia explica isso. Lembro sim pra quem emprestei uma grana e não pagou, mas não vem à minha memória a corja de ladrôes que englobam o meio político de nossa nação. Votamos sem opções. Não é como no vestibular em que você tem múltipla escolha:a, b, c, d e e(nenhuma delas). Solução para o Brasil, eu que sou leiga e detesto axé, pagode e sertanejo, só enxergo uma: mudar de país ou aceitar pacificamente o que der e vier. Não serei um Martin luther King, John Lennon, John e Bob Kennedy e muito menos Jesus Cristo. De tanto descrevermos nossa situação "constrangedora", talvez cheguemos a algum lugar. Pode estar certo que apoiarei você,
nos comentários e desafios, porque minha opção política é dizer a Verdade (fui até deserdada por causa disso, nos 50%, visto que não cometi injúria grave, ovelha negra da tão famosa TFM (tradicional família mineira, onde tradição é cometer adultério e viver de fachada. Não votei no Serra e não votaria nem que eu sofresse qualquer tipo de tortura .

 
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