"Entregue sua arma e torne-se um escravo"

Postado em 15 de dez. de 2009 / Por Marcus Vinicius

Era um domingo à noite num engarrafamento de volta de feriado. Eu estava no carro com um casal de tios e outras crianças, voltando de uns dias na praia.

À nossa frente ia um carro com uns 3 ou 4 rapazes, que estavam agitados ouvindo som alto e fazendo algazarra. Num dado momento um desses rapazes, o que estava ao volante, resolveu encrencar com o farol do carro do meu tio.

Começou a gritar, a xingar palavrões, saltou, gesticulou dizendo que "era melhor ele abaixar aquele farol", que não estava alto, aliás.

O trânsito andou e ele teve que voltar para o carro, mas assim que voltou a parar, recomeçou com sua sinfonia de insultos, dizendo algo como "cara, desliga isso senão eu vou aí te pegar".

Meu tio sacou um revólver calibre 38 do compartimento lateral da porta do carro e disse para desespero da minha tia ao lado "se esse cara saltar do carro de novo eu vou meter um tiro nele".

Por sorte o trânsito voltou a andar, o babaquara do carro à frente desistiu de bancar o machão para os amigos e nenhuma tragédia aconteceu.

Uma outra vez eu estava em casa, ainda criança também. Morava em Jacarepaguá, num loteamento de casas que havia sido construído e inaugurado há muito pouco tempo. Logicamente existiam ainda muitas casas vazias esperando seus donos mudarem e isso fazia do local um alvo em potencial para assaltantes.

Eles sabiam do pouco movimento, de algumas ruas ainda de barro e do reduzido número de moradores.

Ainda não era tempo de celular e da telefonia universalizada, sendo assim nem todo mundo tinha telefone em casa, o que facilitava mais ainda para eles, já que as pessoas às vezes não podiam nem chamar a polícia.

Nesse dia dois homens tentaram pular o muro da minha casa, os cachorros latiam mas não seriam páreo por muito tempo. Meu pai olhou pela janela, viu a cena, foi no armário, destrancou um revólver que guardava numa caixa e deu dois tiro para o alto.

Os ladrões acharam melhor ir embora, já que a presa ali não era tão fácil.

Estas duas cenas acima são verdadeiras, aconteceram mesmo comigo e nunca mais saíram da minha memória. Elas são o motivo para a minha confessadamente ambígua posição em relação ao direito do cidadão portar armas de fogo.

Costumo dizer que na atual sociedade, não existe quase respeito entre as pessoas, o que existe é o medo. Medo do outro estar armado, medo de ser preso, medo da pessoa dar uma "carteirada", de ser lutador de alguma arte-marcial e aplicar uma surra, enfim, é raro o respeito pelo simples fato do outro ser um humano assim como nós.

Mas voltando ao assunto, eu disse que minha posição é ambígua, e é.

No plebiscito do desarmamento, eu votei no "não". Isso mesmo, eu não sou a favor que se proíba o porte de armas para o cidadão.

Primeiro porque hoje em dia um porte de arma é algo dificílimo de conseguir e depois porque já é proibido roubar, vender cocaína, maconha, sequestrar, etc,etc e nem por isso os bandidos deixam de fazê-lo. Não seria uma lei draconiana e que só atingiria na prática um cidadão que está dentro da lei, que iria diminuir a violência que domina nossas cidades.

Por isso me sentia um alienígena no início daquela campanha, quando ia de metrô trabalhar usando um button do "não" na minha camisa e encarava olhares que praticamente diziam "gorila!".

Depois, o senso veio à maioria e a campanha midiática-espetaculosa do "sim" levou uma bela surra naquele plebiscito que suscitou paixões e exageros.

O título deste texto inclusive foi tirado de uma camiseta da época.

Mas a ambiguidade vem do fato de que mesmo votando "não" ao desarmamento, eu opte por não ter uma arma própria.

Penso que esse recurso é útil para defender uma casa e uma família que estariam indefesos de outra forma, como foi o caso da minha casa em Jacarepaguá. Mas é extremamente danoso no caso de uma "cabeça quente", como foi com o meu tio no engarrafamento.

Moro num prédio, tenho telefone fixo e celular, internet, moro numa rua bastante populosa, ou seja, não preciso de nenhuma arma como "defesa". Dessa forma, ela sobraria só como um "perigo", no caso de uma confusão qualquer.

Acho que para ter uma arma, a pessoa tem que ter em mente antes de tudo que ela é potencialmente mais danosa a si do que aos outros. Um erro de cálculo, uma bobagem fora de hora, um desvio mal feito e ela atrapalhará duas vidas: a da outra pessoa e a sua, que ficará prejudicada de forma inequívoca.

Mas se você mora numa casa, num local distante de onde a polícia pode chegar rápido e tem em mente que a arma é para defender a sua família e você mesmo e não para estragar as suas vidas, você tem não só o direito, mas a obrigação de mantê-la sempre perto, lembrando que ela não te transforma em super-herói e que às vezes sai mais barato entregar bens materiais do que arriscar sua vida para defender coisas que o dinheiro pode comprar novamente.

Como você pode perceber, é uma questão de equilíbrio, de ponderação e de estabelecer bem o limite até onde uma arma pode ajudar ou atrapalhar.

Mas é uma decisão que deve passar ao largo de uma intervenção autoritária do estado, a quem cabe somente punir excessos e garantir antes de tudo que o cidadão não tenha necessidade de defender-se, porque este o defenderá antes.

9 Comentários:

Silvio Araujo postou 15 de dezembro de 2009 às 09:43

Concordo com você, mas também preferiria não ter uma arma. Tenho crianças em casa, e o risco de elas encontrarem o "brinquedo" e uma tragédia acontecer não vale a pena. Como nos casos em que você contou: imagine se o tal cara resolvesse descer do carro mais uma vez, desarmardo, numa de bancar o "machão", e seu tio o matasse? Não poderia ser considerado legítima defesa, pois o cara estava desarmado, e não tinha agredido ninguém, a não ser verbalmente. Seu tio acabaria em cana. E se ele não tivesse nenhuma arma? O máximo que aconteceria seria mais uma discussão, talvez o cara obrigasse seu tio a apagar o farol, e mais nada... Portanto, às vezes, ter uma arma é pior do que não ter...

Garrido postou 15 de dezembro de 2009 às 11:10

Você é uma pessoa consciente, não tira o direito do cidadão ter arma, mas não quer ter uma, direito seu.
Quanto as duas ocorrências o seu tio era um esquentado que não sabia o que fazer com uma arma, na segunda o seu pai atirou para cima, não se faz isso nunca, o prejétil cai com a mesma velocidade de quando ele saiu do cano, atirasse para o chão ou melhor ainda atirasse nos meliantes.
Sou esportista do Tiro, sempre tive arma e por incrível que lhe possa parecer nunca andei armado, só em ocasiões muito especiais mesmo nas quais eu sai preparado para reagir de forma a me defender somente.
Tenho porte de arma, pois consegui após mandato de segurança, fia testes e mais testes e passei em todos com louvor.
O meu conselho para quem quer uma arma é primeiro vá a um clube de tiro faça os cursos, são vários, inclusive um chamado sobrevivência urbana (espantoso isso voê não acha?), ai depois compre sua arma e treine muito com ela e nunca puxe-a se não tiver com a cabeça fria e ciente do que esta fazendo.

Augusto postou 15 de dezembro de 2009 às 11:22

Sou totalmente contra o uso de armas. Sobre a primeira situação e se o cara também estivesse armado? Podia ter acontecido uma tragédia.

@carneiro_rio postou 15 de dezembro de 2009 às 16:48

Nada a acrescentar. Nesse caso específico pensamos exatamente o mesmo.

mvsmotta postou 15 de dezembro de 2009 às 18:04

José,

Entendo bem o que você diz.

Li uma vez que um estudo feito nos EUA mostrava que um cidadão bem preparado e equilibrado portando uma arma pode defender os demais e evitar crimes mais graves.

Por exemplo, ladrões descontrolados entram num ônibus e tem potencial risco de causar uma carnificina.

Um cidadão armado e bem preparado poderá neutralizá-los poupando a vida dos demais passageiros.

Uma sociedade desarmada é um rebanho esperando o abate sob certo ponto de vista, mas como disse, é preciso ter preparo e equilíbrio.

Um abraço!

Isabel postou 18 de dezembro de 2009 às 08:31

Eu jamais teria uma arma em casa ou permitiria que meu parceiro tivesse. O meu maior medo é ferir um inocente por engano, acho que nunca me perdoaria. No caso do seu pai, por exemplo, se ao invés de atirar pra cima ele atirasse no suposto bandido, e depois percebesse que não era de fato um bandido? Poderia ser alguém tentando se esconder de um assaltante ou coisa do tipo. Esse tipo de engano pode ser fatal.

Paulo postou 11 de janeiro de 2010 às 10:58

Motta.
Entendo sua ambiguidade e digo que não se trata de ambiguidade.
Eu também já tive armas, aliás fui instrutor de tiro até para a polícia metropolitana de São Paulo, a primeira turma que o Janio contratou. Talves seja por isto que sejam tão mal preparados? hehehe.
Gosto muito de atirar, em minha "coleção" já tive revolveres (sempre calibre 38) modelos PO, Phyton e outros e pistolas mas o que eu gostava mesmo era da minha Puma cal. 38.
Em treinos disparava de 1000 a 3000 vezes por mês. Enfim era um afixionado. Hoje contudo não tenho nenhuma. Da mesma forma que você acho que onde moro não é necessário. O bairro aqui não é dos melhores, cercado de favelas por todos os lados mas a rua é sempre muito movimentada e também não faltam telefones em casa.

A coisa é bem simples, não é necessário que a pessoa tenha uma arma em casa, mas sim que o bandido tenha dúvidas se há ou não uma arma.
A partir do momento que o bandido tem certeza que não há arma alguma em lugar nenhum a não ser as que eles tem, bom ai não é preciso descrever o cenário não é?

Hummm.
Vem mais por ai.

Eliana Gerânio Honório. postou 22 de fevereiro de 2010 às 01:17

Gostei de tudo!

Anônimo postou 18 de maio de 2011 às 07:41

TROQUE SUA ARMA POR:

UM PM ARMADO 24 HRs ( )

UMA ARMA TASER ( )

R$ 150,00 ( )

FAZ ME RIR …ESTAMOS NO BRASIL,EU DEVOLVO MINHA ARMA LEGALIZADA COM NF E TUDO MAIS SÓ PORQUE UM DOIDO COMPROU UMA ILEGAL NA MÃO DE BANDIDO,ESSES ADOLESCENTES SE MATAM DENTRO DAS ESCOLAS ATÉ SEM ARMA

 
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