Caligrafia

Postado em 7 de jun. de 2010 / Por Marcus Vinicius

Quando eu era criança tentava escrever com a letra redondinha e caprichada dos meus colegas de classe. Começava forçando o traço, desamassando minhas letras, tentando ser outro através da caligrafia.

Mas lá pela segunda frase as letras começavam a diminuir de tamanho consideravelmente e os traços amplos e elegantes que tentava copiar iam se tornando um amontoado de letrinhas pequenas, tímidas, como que envergonhadas por serem mera cópia do estilo dos outros, meros garranchos da personalidade.

Quando meus dedos doíam mais do que a vontade de imitar a caligrafia alheia, meus rabiscos voltavam lentamente para dominar as pautas, impondo-se sobre minha vontade de ser igual.

Meus amigos todos faziam letras bonitas, que pareciam saídas direto da máquina de escrever. Mas eu não conseguia escrever como eles, assim como muitos deles também não conseguiam escrever como eu.

Talvez o caos da minha caligrafia fosse mais propício para levar minha mente a imaginar histórias e inventar maneiras de contá-las, talvez aquelas letras não estivessem tortas, mas fugindo, por isso eram tão retorcidas.


Fugiam das partes chatas da aula de geografia para passear pelo Mapa Mundi. Não estavam interessadas na monocultura nordestina e sim no balanço das suas jangadas. Pouco ligavam se a professora de história dizia em qual data o bloqueio continental fora estabelecido, queriam mesmo é saber qual a cor do cavalo branco de Napoleão.

E enquanto verbos, advérbios e pronomes faziam suas ordens unidas gramáticas, elas queriam contar o que o perfume dos cabelos dourados da menina que sentava à minha frente causava, queriam contar que ouro também pode ter cheiro.

Minhas letras possuíam vontade própria, quase como as poesias, que ao contrário do que muitos pensam, não são escritas, mas vão se escrevendo na gente. Inventaram até uma desculpa pro seu suposto mau jeito, que nenhum caderno de caligrafia conseguiu domar.

Do jeito que fazem agora, viajando livres nestas suposições.

8 Comentários:

Anônimo postou 8 de junho de 2010 às 08:57

O que você quer estudar e ainda não sabe chama-se Grafologia.

mvsmotta postou 8 de junho de 2010 às 10:50

Conheço grafologia, mas também adoro licença poética.

Abs!

Anônimo postou 8 de junho de 2010 às 11:43

hehehe Abraços! Então depois podemos trocar figurinhas...

Victor de Araújo postou 8 de junho de 2010 às 11:47

É... nunca me acertei com o velho caderno de caligrafia, também! Também gosto das letras rebeldes... só gostaria que as poesias escritas em mim trouxessem menos dor! Belo texto, abraços!

Karol Bang postou 8 de junho de 2010 às 11:48

Para escrever, assim como para sentir precisamos de um pouco de autismo.E no nosso universo viajar pelo que nos desperta interesse.Belo texto.

Fernanda Moraes postou 8 de junho de 2010 às 13:23

Tenho medo de ler de novo e não conseguir sair daqui (dessa mesa de escritório). E tenho lembranças boas de quando escrever era uma delícia... por que aprender é sempre mais gostoso do que fazer algo que já sabemos de cór...

Tuka Siqueira postou 8 de junho de 2010 às 16:21

Lindo texto. Você escreve muito bem, às vezes não concordo com suas opiniões, mas sempre gosto dos teus textos. Que bom que tua letra era ruim e te fez escrever tão bonito.

M. postou 9 de junho de 2010 às 06:26

Eu sigo vc no Twitter e adorei seu post de ontem sobre poesia.
Eu acho que as palavras possuem o dom de beijar, mas podem e devem tbm, esbofetar se assim for necessário.
Seria um prazer uma visita sua ao meu blog "Devaneios e Sandices" com poemas e autorretratos.http://mennah.zip.net
vou te add no flickr tbm ok? beijo te. Mennah_

 
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