É de manhã que o insone anoitece

Postado em 9 de jun. de 2010 / Por Marcus Vinicius

Quer conseguir dormir em 5 minutos? Basta alguém te avisar que você tem um compromisso dali a 10. É mais ou menos como quando viajamos de carro em grupo e o motorista avisa: "agora vou direto até o destino final". Não demora muito e alguém vai sentir sede. E a água que esta pessoa bebeu vai se transformar na vontade de fazer xixi de outro, levando literalmente por água abaixo a intenção do motorista.

O sono é um sacana genioso que cisma em aparecer na hora do trabalho e em brincar de esconde-esconde na hora de dormir. É de manhã que o insone anoitece.

Sei do que falo porque desde cedo já mostrava mais inclinação a ser noturno. A "Sessão de Gala" me parecia bem mais interessante do que a "Sessão da Tarde". À noite os sons são mais seletivos, e os barulhos impessoais do dia são substituídos por rangidos, cantos, guinchos, risos ao longe e até choros abafados, mas todos personalíssimos.

Era delicioso ficar com a janela da sala que dava para a rua entreaberta ouvindo os carros passando lá fora, as conversas ao longe, o vento soprando seu uivo forte, e melhor ainda era a sensação de vulnerável proteção que sentia estando dentro de casa, mas tão perto do que acontecia fora dela.

Mais tarde a noite toma gostos e perfumes para si, ela é o cheiro da gata, o beijo na boca, a vodka que vai incendiando as veias, a música que pulsa junto com o coração. Ela também será a hora da individualidade, com colegas de trabalho longe em suas casas e o marido/esposa dormindo, os livros, a TV ou qualquer outra coisa sendo a companhia que não julga, não pede, não exige.

Até que seja a hora dos choros, das fraldas e da sonolenta contemplação, quando inquietas pestinhas viram anjos de rosto tranquilo, de sonhos sem ambição, de futuros não escritos.

Se passamos um terço de nossa vida dormindo, metade dela vivemos anoitecidos e não há mal algum em dividir esse terço desacordado igualmente entre o dia e a noite, para que possamos viver os dois melhor.

Porque o sono adora contrariar e se perdemos tempo procurando por ele, certamente vai ser bem mais difícil de encontrá-lo. E enquanto não inventarem comprimidos para que passe meu impulso de sair correndo e fugir da rotina, para fazer aparecer ou passar certas vontades, para 40 minutos de bicicleta ergométrica sem sair do sofá ou para uma dieta à base de peito de frango e alface, eu continuo resistindo a usar comprimidos para dormir.

Sei lá, vai que o sono além de genioso vire um viciado e me transforme em seu traficante de ansiolíticos? Prefiro passar a noite dentro da lei, fazendo, no máximo (e com sorte), apenas algumas libertinagens.

5 Comentários:

Fernanda Moraes postou 9 de junho de 2010 às 07:23

Ah.! Fui a primeira quue te sigo a te comentar.! Fico eu mesma lisongeada.

Fernanda Moraes postou 9 de junho de 2010 às 07:23

Tou aqui lendo seu texto e ao mesmo tempo dentro dos eu texto... fico passeando por isso... e me deixo levar.! Maravilhoso hoje de novo.

Zequim postou 9 de junho de 2010 às 07:26

CAra, seus posts são ótimos, mas nesse, você se superou!!!! Parabéns! Abs! @guiz_

Fernanda Loss postou 9 de junho de 2010 às 11:05

Eu me vi em cada palavra desse texto. É durante a madrugada insone que me vem a inspiração, e já percebi que o mesmo lhe ocorre.
Parabéns pelo blog, cada dia está melhor!

Isabel postou 9 de junho de 2010 às 14:42

Você anda mais poético ultimamente, hein!
Belos textos!

;)

 
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