Cornetando as vuvuzelas

Postado em 17 de jun. de 2010 / Por Marcus Vinicius

A Copa do Mundo tirou as atenções do derramamento de óleo no Golfo do México, dos aiatolás atômicos do Irã, do desmatamento da Amazônia, do Partido dos Trabalhadores e de outros acidentes e desastres que assolam o Brasil e o mundo. O que interessa nesse momento é o futebol, até para quem detesta futebol durante os quatro anos que separam uma Copa da outra.

Mas como a chateação é uma espécie de bilheteria da diversão, a Copa da África cobrou seu preço através das vuvuzelas, aquelas cornetas de plástico que sopradas sozinhas fazem uma espécie de barulho que deve se assemelhar a uma vaca parindo um filhote de elefante, e juntas a um enxame de abelhas de Itu.

No estádio, milhares de pessoas soando o instrumento sem parar transformam em tarefa hercúlea assistir um jogo de futebol. Jogadores já reclamaram, jornalistas já disseram que atrapalha as transmissões, os turistas que foram assistir à Copa compram protetores auriculares para abafar o barulho, mas a FIFA diz que não proibirá a entrada da corneta porque faz parte da "cultura e tradição africanas". Talvez a intenção seja aquecer o comércio local, vendendo vuvuzelas de um lado e protetores contra vuvuzelas do outro.

Brincadeiras a parte, esse argumento cultural é uma falácia, já que o famigerado instrumento só surgiu na África na década de 1990, um sofisma ridículo que parte do princípio de que qualquer coisa que seja "tradição local" deva ser necessariamente boa.

É algo tão insuportável que alguns meios de comunicação avaliam formas de modificar os ajustes do som das transmissões para diminuir o barulho que vem da torcida, tudo isso por causa da "cultura local" defendida pela FIFA.

Estudos mostraram que uma única vuvuzela durante 22 segundos já excede o limite de decibéis permitidos para locais de trabalho, agora imagine 10, 15, 20 mil delas sendo soadas simultaneamente durante 90 minutos ou mais. É desagradável e inconveniente, a ponto de um shopping da cidade sul-africana de Bloemfontein banir o sopro das cornetas, espalhando adesivos contra as vuvuzelas.

Numa primeira vista pode parecer exagero, mas vamos combinar, uma pessoa que acha "divertido" soprar essa coisa medonha sem parar sofre mesmo de toda a falta de senso crítico necessário para tocar a corneta até dentro de um shopping.

Como disse muito bem o colunista Augusto Nunes, é uma "rendição ao primitivismo". Um instrumento de tortura desses sendo elevado a ícone cultural e os cantos das torcidas, os "Ahhhs!" e "Uhhhs!" no quase-gol, os apupos, os gritos dos jogadores, as palmas, os ensurdecedores silêncios das derrotas, a contagiante alegria das vitórias, o grito de "Gol", tudo isso soterrado sob o som monótono desse desagradável instrumento de tortura musical, na verdade, anti-musical.

Torcer sem sofrer riscos de lesões auditivas é coisa de "elite". Quem é do "povão" e respeita "diferenças culturais" precisa gostar de aporrinhação, barulho, dor de cabeça e, de preferência, algum problema de saúde depois, ainda que seja de saúde mental.

Nos estádios, ao invés das torcidas, um enxame de abelhas inconvenientes. Resta torcer para que a cacofonia dos campos sul-africanos fique apenas na memória da Copa de 2010 e não seja exportada para outros países, inclusive o Brasil, que sediará a Copa de 2014.

E o meu medo é justamente esse, porque tudo o que não presta "pega" no Brasil e sendo assim, aposto que a vuvuzela tem tudo pra "pegar" também. Sabem só o que não pega aqui? Alfabetização e esclarecimento.

3 Comentários:

Ruan Belentani postou 17 de junho de 2010 às 11:07

Essas vuvuzelas são um saco, dá desanimo até de assistir o jogo, imagina quem tá lá aguentando esse zumbindo do inferno.

Estou animado para a Copa de 2014, quero prestigiar vários jogos, mas se essa tal de vuvuzela pegar moda no povão daqui eu darei adeus a esse ânimo, vou ficar em casa comendo pipoca (a copa serve para engordar também gente, eu no caso preciso e agradeço).

E alfabetização é o que deveria pegar mesmo, vamos ver se o país muda né... depois da copa todos iremos votar, e pessoal, votem consciente por favor, elejam um presidente com estrutura e base para comandar o país, e para melhorar, é claro, as escolas e o ensino.

Ótimo post, parabéns.

Blog do João Bigode postou 17 de junho de 2010 às 11:31

òtimo post.Mas quero mais que se lasquem, to tranquilo em meu trabalho ou casa(e assistindo quase todos os jogos).E pelo jeito pra mim a Copa no Brasil será tão distante quanto essa,salvo minha grana que lamentávelmente vão levar por ela.

Anônimo postou 17 de junho de 2010 às 11:33

Bem, concordo que o barulho dessa vuvzela é um saco e concordo mais ainda com a informação de que o que é realmente importante não pega aqui nesse país. Impressionante o descaso e a alegria com o circo Copa do Mundo montado...
Vários tipos de dificuldades que o país enfrenta, ano de eleições e o assunto é somente um: Seleção Brasileira...
Espero que a vuvuzela não vire moda no país, e que os brasileiros enxerguem o que realmente fará alguma diferença no futuro do país...

 
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